domingo, 21 de abril de 2019

Tsurune


Quando o assunto é Kyoto Animation, a primeira coisa que vem à mente das pessoas são garotas fofas em um ambiente escolar, o que atrai uma audiência enorme por default. A única exceção é Free!, anime com rapazes sarados que praticam natação, também um grande atrativo a um certo público. Porém, o trabalho mais recente do estúdio, chamado Tsurune, traz protagonistas masculinos não tão atraentes (se comparados com os de Free!) que participam de um clube de arquearia, esporte pouco popular no ocidente.

Essa fórmula do fracasso veio à fruição quando o anime foi ao ar e quase não se via comentários a seu respeito na internet. De acordo com o MyAnimeList, é a série menos assistida da KyoAni. Mas o simples fato do trabalho fugir dos padrões do estúdio não deveria ser considerado um demérito, afinal, é sempre refrescante ver novos horizontes explorados, sem contar que popularidade tá longe de ser sinônimo de qualidade. Portanto, como um enorme fã da Kyoto Animation, comecei Tsurune com boas expectativas.


OBS: O texto contém spoilers, então recomendo que tenham assistido a série antes de ler.

Antes de tudo, é bom esclarecer que o anime aborda um estilo oriental de arquearia, conhecido como kyūdō, considerado uma arte marcial e mais que apenas um esporte – é uma filosofia. O protagonista da obra, Minato Narumiya, fica fascinado pela arte ao assistir uma competição quando criança e se maravilhar com o som da flecha ao ser lançada pelo arco. Se for exatamente como o sound design do anime representa, dá pra entender o fascínio dele, porque dá até calafrios de tão satisfatório que é o som, mas calma que falarei mais a respeito disso posteriormente.


O Minato é um rapaz difícil de descrever porque ele não tem nenhuma característica marcante, seja fisicamente ou em relação à sua personalidade. É só um garoto comum. Eu acho essa uma decisão digna de aplausos à KyoAni, pois um protagonista que se destaque com sua atratividade ou personalidade é quase uma regra na indústria, mas o Minato é "apenas mais um" rapaz normal com seus problemas em meio ao mundo. O foco maior é dado ao interior do personagem e não ao exterior.

Com isso dito, somos apresentados ao conflito principal da obra – o trauma de alvo do Minato, tradução literal de target panic, algo que adquiriu durante uma competição do ensino fundamental, na qual foi incapaz de acertar qualquer flecha ao alvo. No ensino médio, ele é convidado a participar do clube de arquearia da escola Kazemai, mas fica inseguro de fazê-lo por conta de seu trauma.


Assim como muitos de nós, o garoto quer superar esse trauma, mas muitas vezes opta por fugir ao invés de enfrentá-lo. É então que entra o Masaki Takagawa na jogada, apelidado de Masa-san. Após um dia frustrante, o Minato encontra um templo que não conhecia e se depara com um homem praticando kyūdō. A forma belíssima como se posiciona lhe fascina, assim como o tiro perfeito que acerta o centro do alvo e ressoa no ambiente de tal forma que penetra a alma do garoto.

Majestoso.

A graciosa performance do Masa-san foi tudo o que o Minato precisou para reacender a sua paixão por arquearia e lhe dar forças para tentar superar seu trauma. Foi rápido? Foi, mas é realista. É como um músico que passa por dificuldades, mas ganha forças ao ver a bela apresentação de outro músico, ou um escritor desanimado que se sente inspirado após ler um livro, ou até com o meu caso, alguém que se inspirou ao ver animações que contam histórias de pessoas com quem consigo me identificar e que me dão coragem para almejar meus objetivos.

A característica animação de cabelo da KyoAni.

E mesmo com essa inspiração, não quer dizer que o trauma do Minato é facilmente superado. Isso é apenas uma ajuda para motivá-lo, mas não a solução dos problemas, algo que é devidamente explorado ao longo dos episódios. Outra ajuda crucial ao garoto são seus amigos, os quais alguns já conhecia da infância e outros conheceu ao ingressar no clube de kyūdō do ensino médio.

Um que o acompanha desde criança é o Seiya Takehaya, um rapaz calmo e comportado, deveras polido. Ele quer mais do que qualquer um que o seu melhor amigo supere o seu trauma, mas sua personalidade reservada não deixa transparecer isso com facilidade, além de não saber como ajudá-lo. Esse é o maior conflito do Seiya, pois o Minato foi sua primeira grande amizade inseparável e o fascínio do garoto por arquearia foi o que o levou a praticar o esporte junto dele, então é fácil de entender como se sentia ao ver seu amigo incapaz de fazer aquilo que ama.


Também compreensível é o sentimento de impotência que o domina ao ver que o Minato aos poucos se recuperava de seu trauma e que ele não teve participação nenhuma nisso. O Seiya o via como uma figura inspiradora que sempre o motivou, mas quando chegou a hora dele o motivar, não conseguiu. Ele começa a duvidar se sua amizade é realmente importante ao Minato.

Apesar de não aparentar, por dentro o Seiya é um cara que se apega fortemente às suas amizades e atribui valor sentimental até às menores experiências, como quando conheceu o Minato e este lhe entregou uma caixa de Pocky escrito "vamos ser amigos?", a qual tem guardada em sua gaveta até hoje. Eu sou assim também, gosto de guardar tralhas que remetam ao passado e tenho dificuldade em me desfazer delas.

Minato e Seiya durante a infância.

Mas esse aspecto da personalidade do Seiya faz com que cometa o famoso overthinking, porque a amizade dele é importantíssima ao Minato também. Esse drama tinha tudo para ser exagerado, mas a importância de um na vida do outro foi bem fundamentada, desde suas interações durante a infância até o presente. Não é que nem a relação do Haru e do Rin de Free! em que os dois só nadaram revezamento juntos uma vez no passado e passaram a se amar. Os relacionamentos em Tsurune tem profundidade e vemos além da superfície dos personagens.

"Deixa eu descansar aqui só por um minuto".

Outro amigo de infância do Minato é o Ryouhei Yamanouchi, apesar de que eles passaram alguns anos sem se falar até se reencontrarem no ensino médio. É um garoto alegre e prestativo que faz o possível para ajudar suas amizades. Foi ele quem persuadiu o Seiya e o Minato a participarem do clube de arquearia, mas ficou deprimido ao saber do trauma do seu antigo amigo.


Mesmo assim, ele queria porque queria praticar kyūdō com os dois, então correu atrás de descobrir como poderia ajudar o Minato a superar seu trauma. Ele não sabia nada a respeito disso, o que o levou a procurar livros e entrar em contato com pessoas. Sua vida se resumia a isso durante alguns dias! Isso que é diligência. Um amigo igual ele é o que todos nós queremos ter. Depois que o Minato passa a superar seu trauma aos poucos, o Ryouhei fica tranquilo e foca em seus treinos de arquearia. E bota foco nisso! É só olhar a expressão dele na imagem abaixo.

Um semblante de concentração que nem parece pertencer ao mesmo rapaz bobinho que conhecemos.

Agora vamos aos amigos que estes três conheceram no clube, a começar pelo Kaito Onogi, apelidado carinhosamente de Kacchan por um garoto que introduzirei em breve. Apesar do apelido, o Onogi não tem nada de chan, porque é um rapaz mal encarado, desbocado e durão. Ele não vai com a cara do Minato logo de início ao vê-lo errar o alvo de forma horrenda e sair com uma expressão de que não se importava com aquilo, o que o deixou com a impressão de que ele não levava arquearia a sério.


Esse arquétipo de personagem é bastante comum em animes. Um exemplo notório é o ubíquo Boku no Hero Academia com um personagem que até mesmo compartilha do mesmo apelido! Mas a caracterização do Onogi vai além do arquétipo e constrói uma figura com profundidade que superou as minhas expectativas.

Ele é um legítimo japonês de honra. Quando viu o Minato com aquela atitude de quem não queria nada com nada, foi como uma ofensa a ele, pois kyūdō é uma arte marcial que, além de ser praticada, precisa ser sentida e absorvida. Kaito é obstinado em melhorar a sua forma de atirar para fazer jus à beleza do esporte. Logo ele percebe que o seu colega ama arquearia de fato e as dificuldades que enfrentava, então passa a aceitá-lo em seu time, ainda que mantendo sua fachada de machão.

O olhar de determinação do Minato que surpreende até mesmo ao Kaito.

A única pessoa que sabe lidar devidamente com o comportamento temperamental do Kaito é o Nanao Kisaragi, seu amigo de longa data. É um garoto amigável, um tanto excêntrico, deveras expressivo em suas caretas, que gosta de saudar as pessoas em turco e é popular com as garotas.

Por mais raro que isso pareça hoje em dia, esse é um personagem que não consigo encaixar em nenhum arquétipo. Garotos afeminados são comuns em animes, mas o comportamento do Nanao difere da maioria deles. Peguemos de exemplo o similar – porém infinitamente mais irritante – Nagisa de Free!, cujo até o design é incrivelmente parecido. Ele é a pura essência desse arquétipo: chama a todos com o sufixo -chan, não desgruda de seus amigos (até fisicamente), reclama igual uma criancinha mimada e tem todos os trejeitos de uma garota, assim como a voz de uma.

"Merha!"

O Nanao não compartilha de nenhuma dessas características, fora a voz afeminada. O único indivíduo com quem ele usa o sufixo -chan é o Kaito, por ser seu amigo de infância. Apesar de ser um cara alto astral, sua calma e tranquilidade em lidar com todas as situações é uma de suas maiores qualidades e algo raramente encontrado em personagens desse arquétipo. E apesar de ser popular com as garotas, ele não age como galã ou é narcisista. 

Sem contar que com certas garotas ele não tem moral alguma.

Os momentos em que mais brilha são em seus confrontos com o Kaito, porque ele sabe como ninguém como controlar o temperamento do seu amigo a fim de que não perca a cabeça. Em um episódio, o Kaito chega até a ofendê-lo, mas ao invés de ser criado um dramalhão em cima da situação, o Nanao mantém a calma e revida a ofensa com uma provocação irônica que deixa seu amigo puto consigo mesmo por agir de forma tão ridícula, o que o leva a uma reflexão para tentar melhorar seu comportamento – isso tudo de forma implícita, vale notar. Ponto ao Nanao e aos roteiristas pela ótima execução e por não optarem pelo drama barato.

Nanao observando o Kaito, como um verdadeiro guardião.

Esses são os cinco principais membros do clube de kyūdō da escola que, além de tentarem participar de campeonatos, precisam enfrentar o seguinte dilema: arquearia é uma arte marcial individual ou conjunta? O fato de cada um atirar por conta própria pode dar a entender que você depende apenas de si mesmo e de suas habilidades, mas as experiências que compartilham juntos mostram a importância da sinergia durante a prática.

Um indivíduo de suma ajuda nessa missão é o supracitado Masaki Takagawa, o Masa-san. Depois dos seus encontros com o Minato, ele decide se tornar o técnico do clube da sua escola. Com seu carisma e bom humor, além de aprimorar as habilidades de arquearia dos meninos, ele os coloca em situações nas quais tenham que agir em conjunto para que seus laços se fortaleçam, mesmo contra a vontade de alguns.


Outra figura de ajuda relevante é o professor instrutor do clube, Tomio Morioka, o grande Tommy-sensei. Ele é um carismático senhor baixinho com uma voz relaxante e que raramente eleva o tom. Sério, eu amo a voz dele, me traz uma sensação de conforto indescritível. Por ser um homem de diversas experiências, inclusive no mundo da arquearia, ele dá sábios conselhos aos seus alunos e ao Masa-san, o qual passa por diversas crises do início da vida adulta.

O homem, a lenda.

Um dos melhores diálogos da série é de uma conversa entre os dois, em que o Masa-san reflete sobre como enxergava os adultos como "pessoas crescidas" quando era jovem, mas que tem dificuldades e parece ser constantemente superado por outros agora que é um adulto de fato, como se a figura inspiradora que apresenta aos garotos fosse apenas uma fachada de um adulto. É um sentimento assolador que imagino ter ocorrido em todo ser humano após os 18 anos durante alguma fase de suas vidas. O Tommy-sensei o conforta dizendo que até mesmo ele passa por isso às vezes, mas que a verdadeira maturidade está em saber como conviver com isso.


Outro diálogo incrível de uma conversa entre os dois é de quando o Tommy fala da importância de um professor saber se comunicar e se adaptar a outras gerações. Apesar dele se referir às artes marciais, é um conselho que vale para qualquer profissional que trabalha com ensino.

"A essência das artes marciais é mais do que apenas auto-aperfeiçoamento. Ensinar a próxima geração é crucial também. Digerir o que aprendeu de forma que apenas você pode entender e comunicar de maneiras completamente novas."

Essa conversa ocorre num barzinho, o melhor lugar para se ter reflexões sobre a vida, não é mesmo?

Com o apoio do Masa-san e do Tommy-sensei, o clube de kyūdō da Kazemai adentra o mundo das competições, onde encontram os garotos da escola Kirisaki, renomada por seu vitorioso clube de arquearia. Entre eles temos os dois gêmeos ruivos babacas que só sabem tirar sarro dos oponentes e desmerecê-los, além de serem ridiculamente presunçosos. Sabe aqueles personagens que você só quer sentir a satisfação de vê-los se ferrando, independente se será clichê ou não? São esses dois.

Dois merdões.

Mas a grande estrela do time da Kirisaki é o Shuu Fujiwara, referido como O Pequeno Príncipe por seus colegas pela sua forma majestosa e impecável de atirar, pois raramente erra um alvo. Ele é quem tinha tudo para ser presunçoso, mas é um rapaz taciturno que se importa apenas com os seus problemas. Além disso, eu o considero demasiadamente charmoso, acho que até mais que o Masa-san. Será que o seu semblante de seriedade o torna mais atrativo? Hmm...


O Shuu e o Minato treinavam arquearia juntos quando crianças, sob a tutela de uma senhora que fora uma exímia arqueadora no passado. O rapaz loiro sempre apreciou o entusiasmo e a paixão do seu colega pela arte marcial. Era evidente que se tornaria um ótimo arqueiro somente pelo amor que transparecia, apesar do Shuu nunca demonstrar isso devido à sua personalidade fria. Porém, depois do Minato se acidentar e adquirir o trauma de alvo, os dois amigos seguiram caminhos distintos.


Apesar de eu gostar da sua aparência, o personagem traz consigo dois pequenos problemas. Estes não diminuem a qualidade da obra, visto o tanto de pontos positivos nela encontrados, mas acho válido mencioná-los. Ambos estão relacionados ao relacionamento do Shuu com o Minato. O primeiro é o famoso yaoi bait que permeia em todas as temporadas de Free!, embora seja menos frequente e mais sutil em Tsurune.

Existem alguns momentos que foram executados de forma como se quisessem atiçar um certo público acerca da possibilidade dos personagens se gostarem romanticamente, como na cena em que o Shuu acaricia a barriga do Minato e cochicha em seu ouvido para perguntar se o ferimento do seu acidente havia sarado. Acho que existiam maneiras melhores de abordá-lo em relação a isso, especialmente num lugar público...

Rapaz, quanta intimidade...

O segundo problema é em um confronto entre o Shuu e o Seiya em que ele diz que precisa do Minato na sua vida para seguir em frente, apesar de levar a vida perfeitamente sem ele há alguns anos. Depois fala ao Seiya para sair da vida do Minato por não gostar de verdade de arquearia, quase como se fosse uma competição por sua amizade e como se o Seiya não merecesse ser amigo dele. É um drama barato e exagerado. Felizmente, nos episódios seguintes, esse conflito se desenvolve de forma natural sem a participação do Shuu, envolvendo apenas o Seiya e o Minato.


Bom, já abordei praticamente todos os personagem da série, mas faltaram as três garotas do clube de kyūdō da Kazemai. Embora não recebam tanto destaque como os garotos, sua presença nunca é tratada como se fossem menos importantes, além de eu apreciar em demasia suas caracterizações. Uma delas chega a ser mais imponente que qualquer um dos guris, a Rika Seo, uma garota alta e estoica que às vezes é confundida como um garoto, mas cuja personalidade não se encaixa no arquétipo de uma tomboy.

Outra menina inabalável é a Noa Shigaraku, a qual não pensa duas vezes antes de cortar os flertes do Nanao e se impõe diante de qualquer figura masculina. Tanto ela quanto a Seo são reservadas, resolutas e apenas falam quando necessário. A mais alegre do grupo é a fofíssima Yuuna Hanasawa, a única cuja personalidade se resume basicamente à sua fofura mesmo, o que já é o suficiente para fazer dela carismática.

Yuuna, Rika e Noa.

Algo que admiro nelas é o seu design, o que já é um ótimo gancho para entrarmos no tópico da arte do anime: não há nenhuma característica no design das meninas que exagere sua sensualidade. As saias são longas e nenhuma de suas curvas são realçadas em seus desenhos, independente das roupas que usam. Nós sabemos da capacidade da KyoAni de criar garotas insanamente atrativas e de colocá-las em situações que revelem seus corpos, então é refrescante ver essa abordagem diferente que tomaram em Tsurune.


Eu tenho a impressão de que Tsurune foi um trabalho de menor orçamento, porque, na maioria dos episódios, a animação não é tão refinada como nos outros trabalhos recentes do estúdio. Os movimentos dos personagens não são daquela fluidez exímia que você espera da KyoAni, existem mais enquadramentos parados do que o normal, o uso de filtros de pós-produção é consideravelmente menor – especialmente quando comparado com séries como Violet Evergarden e Hibike! Euphonium – e os personagens que não são o foco das cenas geralmente ficam parados o tempo todo, algo incomum.

Mas nada disso torna a obra feia, é apenas abaixo do padrão do estúdio. Uma qualidade consistente é a distribuição de cores que nunca falha em criar o clima que almeja em determinadas cenas, e existem momentos que fazem jus à "magia da KyoAni' e trazem à tona os sentimentos dos personagens e o arrebatamento das partidas de arquearia por meio de enquadramentos cuidadosamente pensados para te colocar na mente dos personagens e no centro da ação das flechas.


Um detalhe interessante é que o ending e algumas cenas de flashback do Masa-san fazem uso do aspect ratio 2.35:1, incomum de se ver em animes. Apesar disso diminuir a informação visual das partes superiores e inferiores da tela, essa proporção cria uma estética que, ao meu ver, dá um ar de profissionalismo maior à obra, como se fosse comparável a filmes multimilionários, os quais grande parte fazem uso desse aspect ratio. Isso centraliza melhor os seus olhos a determinadas ações. É curioso assistir um anime assim. Me perguntei se um dia a KyoAni faria um trabalho inteiramente com essa proporção, pergunta que foi respondida essa semana com o anúncio de que o filme de Violet Evergarden será em 2.35:1! 


Porém, se existe algo que te faz sentir na alma o arrebatamento das partidas de arquearia, é o sound design. Sabe aquela expressão em inglês eargasm? Acho que essa é a melhor descrição que existe para o som de quando uma flecha é lançada e acerta o alvo - orgásmico. Palavras não são suficientes para descrevê-lo, então disponibilizo abaixo uma cena com um tiro formidável do Masa-san que me enche com uma sensação de satisfação extasiante graças a esse sound design fantástico.


A trilha sonora também é ótima. Bela, divertida e cheia de estilos distintos. Logo nos primeiros episódios já fiquei com a tema principal na cabeça, a qual toca de forma rearranjada em diversas outras músicas da trilha, e lá pelo quinto episódio me pegava a assobiando aleatoriamente. Isso que chamo de composição memorável bem sucedida, além de ser lindíssima, com uma melodia arrepiante que evoca um sentimento de esperança, paz e contemplação. É difícil de explicar... Mas creio que é uma representação sonora digna do espírito da arte marcial de kyūdō.


O ápice de todas essas proezas técnicas que mencionei ocorre durante o episódio final, um dos melhores de qualquer anime que já assisti, o qual me proporcionou um turbilhão de emoções graças à sua execução magnificente. É o derradeiro confronto entre as escolas Kazemai e Kirisaki. É quando vemos os garotos colocando em prática todas as suas experiências prévias e agindo em sinergia, como se estivessem conectados pelo vento que guia a flecha ao centro do alvo. Sentindo, em seus âmagos, a essência do kyūdō.

Isso é representado em uma sequência sublime em que o Minato enxerga cada movimento minucioso de seus companheiros, assim como o estado mental em que se encontram. É feito o uso de planos em slow-motion, pequenos efeitos de partícula de luz, leves ondulações e folhas levadas ao vento quando os tiros acertam os alvos.


A edição do confronto inteiro é feita com um dinamismo soberbo e uso de planos que dividem a tela; a fotografia é de encher os olhos, com uma variedade enorme de enquadramentos cinematográficos e movimentos de câmera que te colocam no centro da ação; um sound design tão detalhado que te permite sentir quem acertará ou errará o alvo frações de segundos antes; a animação de cada ação recaptura a bela fluidez pela qual a KyoAni é conhecida... É legitimamente arrepiante. Um verdadeiro espetáculo sensorial.


E tudo isso acompanhado de uma composição feita exclusivamente para essa cena, que não toca em nenhum outro momento na série. O seu nome é "Um coração oscilante", uma faixa de 6 minutos e meio de duração que incorpora indefectivelmente todas as emoções que a cena proporciona. A música cresce lentamente durante seus primeiros minutos; ao início, temos quase que um trecho atmosférico, apenas com o som do piano repetindo as mesmas notas com leveza, quase como se os personagens estivessem absorvendo a essência da arquearia antes de iniciar o confronto.

Em seguida, uma percussão acelerada se inicia, ainda que comedida, logo acompanhada pela sonoridade dramática do violino e do piano, como um coração oscilante que almeja um objetivo, mas é afrontado por um conflito constante entre insegurança e determinação. Aos poucos esses dois instrumentos assumem um som mais assertivo, com notas agudas e menos espaçadas, como se apenas o lado da determinação tomasse conta, até que mais instrumentos se juntam à composição e então tudo explode com um novo arranjo triunfante da tema da obra. É o momento de realização do Minato, da sinergia que o une com seus amigos.

Não tenho como fundamentar isso com teoria musical, afinal eu apenas comecei a tocar meu primeiro instrumento ano passado, mas essa é a interpretação que fiz baseada completamente em sentimentos, porque é uma peça que consegue evocar diversos deles em mim.


E antes de encerrar, gostaria de falar da minha diretora favorita de animações, a Naoko Yamada! Ela não foi a diretora dessa série, mas um episódio teve a mão dela e claro que eu notei, devido ao seu estilo característico. O primeiro plano do episódio 6 é um close-up de pernas. Apenas isso já é indício suficiente para suspeitar! À medida que progredia, notei enquadramentos interessantes, expressões cheias de nuance, maior uso de depth of field, planos de linguagem corporal, poses que me remeteram imediatamente a K-ON! (meu review), uma cena IDÊNTICA a um trecho da segunda abertura de K-ON!... Não havia como esse episódio não ter sido dirigido por ela, e eu estava certo.

Uma cena que parece ter saído direto de K-ON!.

Tsurune é mais uma adição fantástica ao catálogo de obras humanas da Kyoto Animation. É uma história de crescimento pessoal e superação que mostra a importância de experiências como a de se dedicar a um esporte que você ama. É algo que faz com que você conheça melhor a si mesmo e às pessoas ao seu redor. E fico curioso para ver qual o próximo tipo de clube que a KyoAni decidirá trabalhar, já que o estúdio conseguiu fazer um ótimo anime sobre algo exótico como arquearia. Daqui alguns anos eles terão criado animações sobre todos os tipos de clube existentes nas escolas japonesas!


-por Vinicius "vini64" Pires

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