domingo, 13 de janeiro de 2019

Kyoukai no Kanata


Minha análise anterior de um anime da Kyoto Animation foi sobre Phantom World, um dos mais diferentes do estúdio por conta de seu universo sobrenatural e lutas frenéticas (e também o pior anime do seu catálogo). Mas este não foi o primeiro trabalho deles nesse estilo conhecido como action fantasy.

Três anos antes, em 2013, a KyoAni decidiu adaptar uma história diferente das que estava acostumada e o resultado foi Kyoukai no Kanata (Beyond the Boundary), série situada em um universo em que humanos convivem com monstros e devem combatê-los para manter o mundo em ordem. Sim, a premissa é similar a de Phantom World, mas será que dessa vez o estúdio soube trabalhar devidamente com uma narrativa fantasiosa?

Em um fatídico dia de sua vida, Akihito Kanbara se depara com uma garota na sacada de seu colégio, prestes a se suicidar. Ele corre ao andar onde ela se encontra e faz uma súplica para impedi-la de fazer isso. Suas palavras?

"Uma beldade de óculos como você não pode morrer! Resumindo, eu amo óculos!"

A resposta dela?

"Fuyukai desu". Opa, foi mal, eu quis dizer "Que desagradável".

Logo em seguida a bela garota de óculos forma uma espada com seu próprio sangue e perfura o estômago do pobre rapaz. Mas seu esforço foi fútil, pois ele na realidade é imortal, uma cruza de humano com yomu, o nome dado à espécie de monstros da série.

E assim foi o primeiro encontro de Akihito com Mirai Kuriyama. Como ficou explícito, o garoto tem um forte fetiche por meninas de óculos e é considerado um pervertido por suas amizades. Apesar disso, ele até que é comportado, com uma personalidade tranquila, exceto quando está diante de beldades de óculos ou quando sua mãe excêntrica lhe manda cartas.

Apesar de conseguir formar uma enorme espada com seu sangue, a maior habilidade da Mirai é a sua fofura absurda. Ela é a última guerreira do clã de sangue amaldiçoado e se muda à cidade do Akihito para trabalhar de caçadora de yomus, mas sua coordenação para lutas é péssima por ser bem destrambelhada. Seus passatempos incluem cuidar de bonsais, passar fome e reclamar da vida no Twitter. Acho que muitas pessoas podem se identificar com a personagem…

O casal.

Depois de tentar matá-lo algumas dezenas de vezes para treinar suas habilidades, Mirai começa a participar de um clube de literatura junto de Akihito, onde conhece uma experiente caçadora de yomus, Mitsuki Nase, da renomada família Nase. Ela é uma bela garota que se enoja fácil com os comentários pervertidos do seu irmão e do Akihito. Mitsuki pode parecer apática, mas ela se importa de coração com aqueles que ama.


O seu irmão é o Hiroomi Nase, um charmoso e poderoso rapaz com um fetiche enorme por irmãzinhas. Não há nada que o deixe mais feliz do que ouvir a Mitsuki lhe chamando de "onii-chan", apesar de que ela evita isso a todo custo. Até mesmo o seu marca-páginas é uma foto da sua irmã quando criança. Quando ele e o Akihito se juntam com seus fetiches, não há quem os segure.


Alguns yomus amigáveis assumem formas humanas, como a Ayaka e a Ai Shindou. A primeira tem fortes poderes de magia e cuida de uma loja secreta em que compra yomus derrotados pelos spirit warriors, além de fazer alguns bicos como fotógrafa de ensaios sensuais. Junto dela vive a Ai, uma garotinha fofa cuja forma real é um gatinho. É o yomu mais inofensivo que existe.

Ayaka, Ai e Mitsuki.

A dinâmica entre os personagens é o melhor aspecto da obra. Todos são carismáticos e nunca falhavam em colocar um sorriso em meu rosto. As piadas com os fetiches do Akihito e do Hiroomi são repetidas em todos os episódios, mas não chegam a ser maçantes, graças aos diferentes contextos em que são feitas e às divertidas reações da Mitsuki e da Mirai.

Esses rapazes não perdem uma oportunidade.

A relação entre o Akihito e a Mirai satisfaz os desejos daqueles que gostam de romances fofos. Eles sempre se bicam – a garota não suporta os comentários pervertidos do rapaz e ele sofre com a personalidade avoada da menina. Mas ambos se ajudam a superar os severos problemas sociais e memórias amargas do passado que ambos compartilham. É uma relação bonita que diverte e emociona.

É pura diversão e emoção! ~chamada da Sessão da Tarde~

Não há dúvidas de que os momentos mais emotivos da série se dão por conta do casal. Um em particular que adoro a execução é quando o Akihito perde a consciência e assume sua forma yomu, causando destruição a tudo e a todos. Isso acontece depois de ser amaldiçoado, aí a Mirai é forçada a fincar a espada nele. Hesitante, é um contraste aos primeiros episódios em que ela o esfaqueava por vontade própria.

É possível sentir a sua dor em sua expressão.

A solução para o rapaz retornar à sua forma humana pode parecer clichê, mas é uma solução que condiz com a situação, pois o abraço da Mirai fez com que seus sentidos humanos voltassem. A sensação de um abraço de alguém querido é calorosa e maravilhosa. É a abordagem sentimental do estúdio brilhando novamente.


Essa cena é um ótimo gancho para falar de outro aspecto incrível do anime – a parte visual, o que não é de surpreender ninguém, já que estamos falando de um trabalho da KyoAni. Uma característica marcante do color design de Kyoukai no Kanata é o uso recorrente de filtros, em que certas cenas assumem uma coloração predominante, como nos exemplos a seguir. É uma abordagem que facilita a criação de uma atmosfera e ajuda a transmitir os sentimentos dos personagens.

Quando um poderoso yomu relacionado ao passado da Mirai chega à cidade, o roxo toma conta de tudo e cria uma atmosfera que proporciona uma sensação de peso.

Prestes a fazer algo contra a sua vontade, porém necessário, a Mirai é vista em um dia chuvoso, com cores dessaturadas, quase em preto e branco. Representa o seu coração nesse momento.

Um azul claro com forte exposição durante o reencontro do casal em uma misteriosa dimensão, quase como se estivessem cintilando diante desse evento que os reuniu.

Matizes laranjas são comuns em cenas de pôr-do-sol em qualquer anime, mas Kyoukai no Kanata faz um uso mais acentuado disso, que caminha a um tom mais avermelhado ou amarelado, dependendo das circunstâncias da cena.

O trabalho de iluminação e sombreamento também é digno de elogio, visto que a série explora diversas abordagens em relação a isso. Unido à distribuição de cores especial de certas cenas, temos resultados agradabilíssimos aos olhos, como em alguns dos exemplos que separei logo abaixo.





O character design é um dos melhores do estúdio, com destaque especial ao design dos olhos. Se vocês leram meus textos sobre Miss Kobayashi’s Dragon Maid (meu review) e Little Witch Academia (meu review), sabem como sou fascinado por alguns designs de olhos. Sinceramente não sei explicar o porquê de eu amar os olhos desse anime. Só sei que poderia encarar os olhos das meninas o dia inteiro.


E por falar em meninas, o design da Mirai é outro que sou apaixonado. Ela é como se fosse um algodão doce, com seu cabelo fofo cabelo rosa que dá até pra imaginar a maciez, realçado pelo seu sweater também fofo. Seu design transmite uma fragilidade, graças às cores leves que beiram os tons pastéis, o que combina perfeitamente com a personagem, porque, apesar dela ser uma guerreira, é uma pessoa bastante sensível.


Esse é o tópico da lindíssima animação de encerramento, que evidencia a frágil figura da garota e todos os seus contornos, como se fosse uma pomba branca, uma pétala de rosa que seria facilmente levada pelo vento. O ending também conta com um formidável uso de símbolos e cores para representar os sentimentos dela em relação ao Akihito. E o sorriso dela ao final é de derreter qualquer coração.

                             

A animação de abertura é aquilo que se espera da KyoAni – cenas do dia-a-dia dos personagens em cenários rotineiros que se tornam exuberantes graças aos artistas do estúdio. Contudo, quando a música chega ao refrão, passam a ser mostradas cenas bombásticas de lutas para situar o público ao que eles encontrarão na obra. A tema é cantada pela Minori Chihara, dubladora da Mitsuki e a voz feminina que mais aparece nos trabalhos da KyoAni, seja dublando ou cantando temas.

                             

Um detalhe interessantíssimo dessa opening é que ela mostra o início da jornada da Mirai em direção ao seu convívio com o Akihito e suas amizades. A abertura se inicia com a garota no trem, certo? Um dos episódios conta com uma cena inicial em que ela recebe a ligação que a instrui a se mudar para a cidade onde conhece o Akihito. Ela se dirige a uma estação na madrugada e embarca no trem, então a cena corta para a abertura. Uma continuação direta. Acho que esse é o único anime que assisti que integra a opening ao enredo dessa forma.


E já que entramos no tópico de música, que tal falarmos sobre a trilha sonora? .....na realidade, acho que não tenho o que falar dela. Sendo sincero, não me lembro de sequer uma música incidental da obra. Não quer dizer que é ruim, apenas que não é memorável. Mas quer saber o que é memorável? A música que os personagens dançam no sexto episódio em que se tornam idols. Tão memorável que até escrevi um texto inteiro ao seu respeito. É o melhor episódio da série. Objetivamente.

Essa coisa de idols funcionou surpreendentemente bem com Kyoukai no Kanata. Os especiais da série, lançados junto dos blu-rays japoneses, também contam com uma dança de idols ao fim dos episódios. Embora não seja tão cativante quanto a do episódio 6, é absurdamente fofa, já que as garotas estão em forma chibi. Diferente da outra dança já citada, na qual os personagens são animados tradicionalmente, na dos especiais elas foram animadas com computação gráfica. Não ficou ruim, viu? Parecem uns adoráveis nendoroids dançando.


Eu nunca menciono os especiais em meus textos, mas a KyoAni faz episódios curtos de 5 minutos para cada uma de suas séries e os inclui nos volumes de DVD/blu-ray que são lançados depois de serem exibidas na TV. Todos são bem humorados e com uma animação crua, às vezes com designs deformados nos personagens. Alguns são legais, outros são bizarramente estranhos, mas creio que os especiais de Kyoukai no Kanata sejam os melhores de qualquer um de seus trabalhos.

Kawaii overdose~~

Neles, as garotas se tornaram o juri de um tribunal, no qual a Ai é a juíza, e o veredito dos acusados sempre é dado após a dança supracitada, pois elas também são idols! Todo episódio conta com algum personagem da série sendo julgado, os quais aparecem com seus designs normais, enquanto as meninas estão com um design chibi: é um contraste engraçado. Os motivos pelos quais os personagens são julgados sempre são hilários, assim como as interações destes com o juri. No episódio em que o Hiroomi é julgado, ele aparece peladinho! Achou que a KyoAni só fazia fanservice com garotas? Achou errado, otário! Mas nesse caso devo admitir que rachei o bico com esse fanservice, porque ele faz cada pose fabulosa e os ângulos de câmera nele são tão descarados que não tinha como eu me segurar.

Um rapaz formoso.

Porém, todos os elogios que fiz até então caem perante ao defeito contundente que coloca Kyoukai no Kanata junto dos trabalhos medianos do estúdio – o pífio roteiro. Eu elogiei os personagens anteriormente, mas alguns deles são desenvolvidos de forma tão porca que prejudica nossa compreensão da história, como a irmã da Mitsuki, Izumi, cabeça da família Nase. Seu poder é tamanho que chega a ser difícil de ser medido. Ela é temida e admirada por todos nesse ramo de spirit warriors que combatem yomus, mas suas ações são rodeadas de ambiguidade.


Ambiguidade é uma boa forma de te manter interessado em um personagem, mas não da forma como fizeram aqui, em que é quase impossível de deduzir se ela é do bem ou do mal. Ela toma decisões que prejudicam diretamente os protagonistas, se encontra com uma figura desconhecida em uma área mística – figura essa cuja finalidade nunca é revelada, vale notar – e tem uma relação misteriosa com um homem que também age de forma ambígua. No último episódio descobrimos que esse homem na realidade é o vilão e não a Izumi.


E se tem um personagem que joga a obra lá pra baixo é esse vilão. Eu nem lembro o nome dele, tanto que nas minhas anotações me refiro a ele como "o cara de óculos do sorrisinho". Ele é tão aleatório e mal explorado ao longo da série que você mal dá importância pra ele, apesar dos roteiristas espalharem umas cenas breves que gritam "olha como esse cara é suspeito!" para tentar roubar sua atenção. Não funcionou.


Nos últimos episódios ele é revelado como o vilão, apesar de que suas intenções não são deixadas nem um pouco claras. Preferiram focar em mostrá-lo agindo de forma exageradamente vilanesca, com expressões medonhas, rindo e gritando igual um psicopata do que em mostrar quais seus motivos para suas ações. A ligação da Izumi com ele também não é explicada, apenas são dados alguns indícios que não vão além disso. É ridículo. Um dos vilões mais merdas de qualquer coisa que já assisti.

"OLHA COMO EU SOU MAL!! HAHAHAHAHAH"

Depois de te instigar a se interessar pelo roteiro com diversos indícios de eventos importantes e diálogos ambíguos, os episódios finais decidem deixar isso de lado e optar por sequências de ação e emoção feitas para proporcionar euforia e só. É um espetáculo visual de efeitos e explosões incrivelmente concebidos, mas nada além disso. É como um brilho que distrai crianças para não perceberem que não há mais nada, apenas um casulo vazio. As inúmeras perguntas que o roteiro levanta são mantidas sem respostas.

Lindeza superficial.

Aí temos a resolução do romance entre a Mirai e o Akihito. Depois de enfrentarem uma infinidade de monstros gigantescos em outra dimensão que não proporcionam qualquer senso de perigo devido à tremenda facilidade com que são derrotados, a Mirai desintegra. Apesar disso não ter me impactado de forma alguma devido ao meu desprazer com o rumo que a série tomou, é um encerramento bonito, embora deveras triste. Contudo, não satisfeitos com a bagunça desmedida desse roteiro, os roteiristas decidiram piorar e forçar um final feliz ao trazer a Mirai de volta à vida sem qualquer explicação.

Dessa vez seu sorriso não conseguiu me satisfazer, Mirai. Sinto muito.

Depois de 2 anos, foi lançado um filme sequência que mostra que o retorno da Mirai não foi tão feliz como imaginávamos, já que ela perdeu toda a sua memória. O longa aborda algumas das questões não respondidas da série, como a ambição do vilão (que continua sendo um bosta) e o segredo da Izumi, mas tem a audácia de introduzir novas perguntas não correspondidas.

O problema é que o final da série não é um daqueles que deixa evidente que haverá uma continuação. Então ela termina feliz de forma insanamente forçada e com uma infinidade de questões abordadas, mas não exploradas. É uma obra incompleta. Sim, o filme responde algumas – não todas! – perguntas deixadas em aberto na série, mas a finalidade dos filmes de anime é de progredir a história, não de completar lacunas não abordadas. Grande parte deles são opcionais, enquanto o de Kyoukai no Kanata é obrigatório devido à inabilidade dos roteiristas de mostrar a história com coesão durante a série.

O filme também é obrigatório por mostrar a Mirai encapetada de cabelo preto. Não dá pra perder isso, né?

Kyoukai no Kanata é um anime que te diverte com seus personagens carismáticos e cheios de química em suas interações, mas sua história repleta de potencial é desperdiçada por conta de um roteiro pessimamente trabalhado, com um desfecho que me deixa com aquele sentimento horrível de que tudo foi inútil, que assisti todos esses episódios para não chegar a lugar algum. Não é uma obra ruim, mas é definitivamente fraca.


-por Vinicius "vini64" Pires


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