Praticamente todos os trabalhos da Kyoto Animation são protagonizados por garotas fofas, com elencos compostos majoritariamente por personagens do sexo feminino. Porém, existe uma exceção, o oposto exato disso que descrevi. Um anime com protagonistas tão atraentes que as primeiras sugestões que o Google te dá ao pesquisar o nome de qualquer um são fanfics amorosas deles com a pessoa que está lendo.
Estou falando de Free!, o anime perfeito para você que está sedento(a) por ver garotos com corpos definidos se esbaldando em piscinas, mares e banheiras, seja em competições acirradas ou apenas para dar aquela molhadinha nos músculos e relaxar a cabeça. Ah, também tem conflitos dramáticos a beça entre eles, caso você se interesse por isso e não os veja apenas como objetos de desejo. Vamos conhecer esses rapazes então?
OBS: Essa análise cobre as duas primeiras temporadas do anime, Free! Iwatobi Swim Club e Free! Eternal Summer.
PERSONAGENS
A melhor forma de se descrever o Haruka Nanase, apelidado de Haru, é chamá-lo de peixe fora d’água, porque se esse garoto pudesse viver dentro d’água, ele o faria sem pensar duas vezes. Passa horas dentro da banheira todos os dias, não pode ver uma piscina que já sai mergulhando e até já tentou entrar em um tanque de peixe uma vez. Apesar dessa paixão desmedida por água e por cavalinha (pois é, vai entender), Haru é uma negação em expressar sentimentos e emoções. É quase um robô.
Ah é, faltou dizer que sua especialidade é nado livre (crawl). |
Além da água, outra coisa que o faz sentir calafrios é ouvir o nome do Rin Matsuoka. Esse rapaz de cabelo cor-de-vinho e dentes pontiagudos foi um amigo de infância do Haru com quem costumava nadar, mas os dois se separaram quando o Rin se mudou para a Austrália. O estilo de nado de um encantava o outro e vice-versa. Depois de alguns anos, ele retornou ao Japão como um completo babaca que só queria saber de vencer do Haru. Sua especialidade é nado borboleta.
Outro amigo de infância deles é o Makoto Tachibana, um garoto calmo e amável que adora ajudar ao próximo sempre que possível. Por ser o mais sensato de todos, ele é o capitão do Clube de Natação que participa junto do Haru e de dois outros colegas que descreverei em seguida. Ele também é um tanto medroso e emotivo. Se bem que emotivos todos eles são, mas deixa isso mais pra frente... Sua especialista é nado de costas (backstroke).
Mais um amigo de infância e membro do clube de natação é o Nagisa Hazuki, um rapazinho sorridente e hiperativo. Todos os personagens de Free! são um pouco afeminados, mas esse aqui é de longe o maior deles, porque sua personalidade e seus trejeitos são 100% de uma menina. Uma bem grudenta, por sinal. Sua especialidade é nado de peito (breaststroke).
O último membro do clube de natação (dessa vez não é um amigo de infância!) se chama Rei Ryugazaki. Originalmente do clube de atletismo, ele decidiu se juntar ao de natação depois de muita insistência do Nagisa. Rei é um rapaz que aprecia forma e beleza nos esportes. A eficiência não faz diferença – o que importa é se aquilo é belo de se assistir. Ao entrar no clube, ele não se interessava por natação e sequer sabia nadar, mas a forma do nado do Haru lhe encantou, então decidiu que gostaria de aprender a nadar graciosamente igual ele.
Sua especialidade vem a se tornar nado borboleta depois de um tempo. |
Mas nem todos os amigos de infância são do Haru, pois o Sousuke Yamazaki estudou com o Rin no ensino fundamental e ambos também praticavam natação juntos. Ele é um cara durão que parece não se deixar abater por nada, mas algumas memórias do passado lhe incomodam......assim como é o caso de todos os personagens, mas trarei mais detalhes disso posteriormente.
Apesar de ninguém ligar para mulheres em Free!, elas existem, por incrível que pareça! A mais importante delas é a Gou Matsuoka, irmã mais nova do Rin. Com sua personalidade forte e assertiva (embora ainda muito fofa), ela se torna a gerente do clube de natação dos meninos e não facilita pra eles na hora dos treinos e em regular suas dietas. Mas ela tem uma fraqueza - a garota fica fora de si quando vê músculos, bíceps, tríceps e todas as partes do corpo masculino que você imaginar, contanto que sejam bem definidos.
Ironicamente, ela não sabe nadar ¯\_(ツ)_/¯ |
A outra mulher relevante é a professora Amakata, coordenadora do clube de natação, mas que não contribui em absolutamente nada além de proferir frases filosóficas sempre que tem a oportunidade. Mas sabe aquela expressão "o passado lhe condena"? Antigamente ela era uma modelo de biquínis para uma revista e não se orgulha nada disso. Mas quem espera um pouco de fanservice feminino em Free! agradece, embora ela apenas seja mostrada de biquíni durante meros segundos.
ARTE
"Não resista à água. Deixe que ela tome conta do seu corpo". Isso é o que o Haru fala ao início de cada temporada...ou algo do gênero. O fato é que é impossível você tentar qualquer resistência à água deste anime porque ela é deslumbrante, em qualquer que seja a situação. A água da piscina, da praia, do oceano e até mesmo da banheira do Haru é linda de se ver. Em relação às piscinas, a água nem sempre é desenhada da mesma forma, pois muda de forma dependendo do local, do horário e da situação que os personagens se encontram, para refletir seus pensamentos.
Olha essa fluidez... |
Esse amor pela água é devidamente expressado em algumas cenas que tomam uma liberdade fantasiosa e representam a sensação etérea que os nadadores sentem quando estão nadando ao mostrar as partículas de água em volta de seus corpos em cada um de seus movimentos, ou quando fazem analogias visuais que comparam o ato de nadar com o movimento belo de animais marinhos ou com flutuar pelos céus. Se você pratica natação, é capaz até que se emocione com esses trechos.
Tão fluida como a água é a animação dos personagens, afinal, é um trabalho da KyoAni, então não há como o estúdio desapontar neste aspecto. O mesmo pode ser dito em relação aos belos cenários que trazem beleza às paisagens do Japão atual e aos efeitos de iluminação sempre usados como forma de realçar as emoções das cenas.
Mas o principal aspecto da arte de Free! certamente são seus personagens, ou você acha que as pessoas assistem isso porque se interessam por natação? Nada disso, o que elas querem é ver esses mocinhos exibindo seus tanquinhos cheios de cloro. E obviamente o anime não desaponta em relação a isso.
Não preciso nem dizer que Free! é lotado de fanservice, né? Esse é o principal atrativo da obra, seu maior selling point, voltado especificamente a um público conhecido como fujoshi, mulheres que gostam de animes ou mangás com relacionamentos homossexuais entre homens. Não há nada explícito em relação a isso na série, mas existem inúmeras nuances entre os personagens para insinuar que eles se gostam amorosamente, tudo para que seu público delire nas fantasias.
Apesar disso, devo admitir que a quantidade e intensidade de fanservice nesse anime foi consideravelmente menor do que eu esperava, o que é algo fantástico. Eu realmente pensei que seria algo bem exagerado, tipo em Miss Kobayashi’s Maid Dragon (meu review). Pensei que o anime se resumisse a fanservice, mas felizmente não é o caso. Na 2ª temporada mal há cenas disso! Até mesmo em Free! a KyoAni não falha em me surpreender.
Mas o estúdio também não falha em satisfazer seus desejos... |
Não sei qual a melhor seção para falar disso, então vai nessa aqui mesmo: um dos meus trechos favoritos da série inteira é quando o Rin e o Haru viajam para a Austrália na 2ª temporada. Não sei exatamente o motivo, mas é incrível ver o Rin conversando em inglês com os pais adotivos australianos dele, os quais são dublados por australianos de verdade, nada de "engrish" aqui, fora o do Haru que mal sabe falar em inglês. Tem até o Rin brigando em inglês com uma recepcionista de hotel. Impagável.
Além dos cenários fantásticos que retratam fielmente os locais do país. |
ESTILO
Apesar de ter seus momentos de comédia e descontração, Free! é, em sua maior parte, uma série de drama. Francamente, isso me pegou de surpresa. A impressão que eu tinha é de que esse seria um anime marcado por fanservice e só isso. Não sabia o que esperar da sua narrativa, pois ninguém fala a respeito dela na internet. Tudo o que se vê acerca de Free! por aí são pessoas desejando os corpos dos personagens e shippando casais entre todos eles.
A Gou é a melhor representação da fanbase de Free!. |
Como eu disse na seção anterior, o fanservice não é tão proeminente como eu imaginei que seria. Se tem algo que a KyoAni sabe fazer é humanizar seus personagens e isso não é exceção em Free!. Claro que existem diversos planos que deixam em evidência como os garotos são verdadeiros pitéis, mas o roteiro os desenvolve como pessoas e não apenas como objetos de desejo, diferente de muitos animes lotados de fanservice por aí.
Suas personalidades são bem fundamentadas, assim como seus medos, anseios... Temos mais diálogos de um dando suporte ao outro do que trechos de fanservice. Alguns detalhes particulares como o fato do Makoto deixar uma flor num copo d'água onde seu peixe de infância está enterrado é algo que humaniza imensamente esse personagem e diz muito sobre sua personalidade além dos estereótipos de fofura e bondosidade.
Porém, às vezes o famoso "fujoshi bait" fala mais alto. Um dos trechos que isso mais me incomodou foi como romantizaram o possível boca-a-boca do Haru no Makoto após ele desmaiar no oceano. Fica aquela tensão a fim de deixar o público excitado de que eles vão se beijar, mas essa é uma situação séria. Então, logo quando o Haru vai encostar em sua boca, o Makoto acorda e se recupera. A definição de fujoshi bait.
Apesar dos personagens serem construídos como pessoas de verdade, suas interações e personalidades às vezes não parecem muito reais. Vou ser sincero – Free! não é uma boa representação de uma amizade entre rapazes. Se você substituísse os personagens por meninas sem alterar em nada suas personalidades, não haveria diferença alguma, pois a relação entre os protagonistas remete mais a uma amizade feminina do que masculina.
Não é comum você ver um amigo se esfregando no outro toda hora e chorando por qualquer coisa em grupo. Garotos tendem a ser mais reservados em relação a isso, pois ações assim são vergonhosas por questões culturais (sim, é ridículo, mas é a realidade). Não estou dizendo que isso é errado ou que não existem amizades que agem dessa forma, mas as interações entre eles não me parecem naturais. O Nagisa em particular podia ser facilmente confundido com uma garota, pois não há nada nele – fora seu peitoral – que indique que é um rapaz.
Mas não posso negar que vê-los se divertindo é legal. A amizade deles transmite uma vibração bastante good vibes. Mas é aí que, para atrapalhar o clima, entra o gênero predominante do anime – drama. Sim, de fato foi um alívio descobrir que Free! não era só fanservice como eu imaginava, mas o drama acabou por se mostrar como um problema tão grande quanto pela forma como é exagerado.
Um forte ponto negativo é a forma como todos os personagens se prendem aos acontecimentos do passado. Quase todos os conflitos se devem por algo que aconteceu há alguns anos atrás e isso os impede de viver o hoje devidamente. Parece que eles tem medo de seguir em frente, de mudar, porque a solução dos conflitos também se resume a voltar às coisas como eram no passado.
Os flashbacks que os mostram quando crianças são mais recorrentes do que cenas de natação. |
A 2ª temporada diminui consideravelmente a dependência dos personagens ao passado. Contudo, a conclusão de seus maiores conflitos deixou a desejar, e muito. Sousuke, o novo personagem introduzido, se mostrou uma forte adição ao elenco, mas o desfecho pífio de seus problemas diminuiu seu impacto.
Ao longo de toda a temporada ele procura uma razão pra nadar e duvida da eficiência de revezamentos. O Rin mostrou diversas vezes a ele como um revezamento mudou a sua forma de viver, mas o Sousuke não concorda. É então que, em um dos últimos episódios, ele encontra um motivo para nadar e diz que sua maior inspiração foi o revezamento que o Rin fez com os amigos no ano passado, uma conclusão idêntica à 1ª temporada e incoerente, pois vai contra as ações do personagem ao longo dos episódios.
Além disso, no 2º episódio, o Sousuke chama o Haru de canto e diz para ele nunca mais se aproximar do Rin. Esse evento, junto da abertura que evidencia uma rivalidade entre os dois, me fez acreditar que um conflito entre eles seria um dos principais temas da temporada. Só que não! Porque eles mal se falam ao longo de toda a sua duração. Esse diálogo da 2ª temporada simplesmente leva nada a lugar nenhum.
E por falar no Haru, uma das soluções mais ridículas que já vi para um conflito é a maneira como ele se recupera da sua falta de vontade de nadar e descrença ao mundo da natação. Ele passa episódios se lamentando e brigando com seus amigos, até que o Rin decide levá-lo para a Austrália. Ele continua deprimido lá, até que visita uma piscina enorme onde a equipe nacional australiana está treinando e pensa "nossa, que da hora, agora quero voltar a nadar". Eu não tô brincando, é basicamente isso!
Sinceramente, apesar de eu apreciar o fato de que o anime foi além das minhas expectativas de que seria apenas fanservice sem substância, acredito que Free! talvez funcionasse melhor se fosse mais leve e descontraído, pois os melhores momentos são aqueles dos garotos se divertindo. Eu não me importo com um drama bem dosado, mas infelizmente esse não é o caso aqui, pois as doses são um tanto exageradas.
MÚSICA
A trilha sonora de Free! é um caso peculiar, pois algumas músicas me cativaram logo no início, mas depois eu simplesmente parei de notar quaisquer trilhas de fundo. Grande parte das composições são aquelas com pianinho básico e uma leve orquestrinha que só te marcam caso você esteja envolvido a um nível emocional com a obra, que não foi o meu caso. A minha música favorita é essa logo abaixo. Ela me dá vontade de se jogar na piscina num dia ensolarado.
Eu pensei em dizer que esse estilo de música dançante combina melhor com a série, mas depois lembrei que Free! é mais drama do que qualquer outra coisa. Bom, antes drama do que só fanservice, né...
As temas de abertura da série se diferenciam das demais da KyoAni por terem um vocal masculino e por serem um rock pesado. Eu curto esse estilo de música, então a variedade é bem vinda. Em relação à animação, eu gosto de como a abertura da 1ª temporada mostra pouco ao mesmo tempo que diz muito. No geral é uma abertura padrão de anime que introduz os personagens e tals, mas ela traz algumas cenas com cortes rápidos que referenciam aspectos mais pessoais dos protagonistas.
Vemos o Makoto sozinho na imensidão do oceano, com um corte de frações de segundo dele desesperado, uma referência ao seu trama de mar; um breve take do Nagisa correndo ao pôr-do-sol, pois uma característica marcante de sua personalidade é que ele não desiste diante de qualquer adversidade; e mais ao fim vemos o Rin durante o entardecer, novamente com um corte rápido de uma lágrima escorrendo de seu olho e logo em seguida o Haru o observando, com um reflexo do Rin criança em seu olho, pois o objetivo final dele é resgatar esse anseio que seu amigo tem desde pequeno, mas que se encontra bloqueado pelo casulo que ele próprio criou.
Mas o maior banquete de Free! são os seus encerramentos. Acho que não existe qualquer outro ending de anime que tenha rendido mais gifs que os dois desse aqui. O da 1ª temporada mostra o Haru em busca de água em meio ao deserto escaldante, com cenas dos nossos garotos em roupas egípcias e o Rin se molhando todinho por ser o detentor de toda a água do Egito, além de contar com um trecho deles dançando numa rave em uma piscina vazia. Se você disser que isso não te deixa com vontade de requebrar até o chão, és um baita de um mentiroso.
No encerramento da 2ª temporada, os rapazes decidiram começar novas profissões. O Rin se tornou policial, o Makoto virou bombeiro, o Rei é um cientista fracassado, o Nagisa é um animador de festas e o Haru faz bicos de chefe de cozinha, mas na realidade é um homem-sereia. Eu tenho a opinião impopular de preferir esse ending ao primeiro, mas ambos são encerramentos que você nunca vai querer pular.
E esse trecho do Rin requebrando me faz questionar minha heterossexualidade. |
Estes são ótimos exemplos da genialidade da KyoAni de criar encerramentos que vão além do esperado. A maioria dos estúdios fazem endings simplórios, com alguma imagem de cenário e um movimento de câmera básico ou um personagem se movimentando da mesma forma durante toda a duração da música. Já os endings do estúdio de Free! batem de frente com as aberturas, pois eles não economizam na movimentação dos personagens e fazem animações que contam historinhas, como se fossem clipes musicais.
CONCLUSÃO
Apesar de ter me surpreendido com seu foco em drama e desenvolvimento de personagens ao invés de puro fanservice, Free! não conseguiu me cativar como muitos dos outros trabalhos do estúdio. Os personagens são divertidos e carismáticos, mas o drama predominantemente exagerado e decisões de roteiro incoerentes diminuíram meu desfrute com a obra.
Atualmente está sendo exibida a 3ª temporada, então escreverei a respeito dela futuramente, junto do filme que serve de prequel aos seus acontecimentos. Mas devo dizer que eu sequer comecei a assisti-la. Preciso me preparar mentalmente para ver os rapazes presos ao seus passados até mesmo agora que estão na faculdade, pois provavelmente é isso que acontecerá, conhecendo a forma como lidam com os roteiros do anime.
-por Vinicius "vini64" Pires
Leia também minhas outras análises sobre animes da Kyoto Animation:
- Air (Tatsuya Ishihara, 2005)
- The Melancholy of Haruhi Suzumiya (Tatsuya Ishihara, 2006)
- Lucky Star (Yasuhiro Takemoto, 2007)
- K-ON! (Naoko Yamada, 2009)
- The Disappearance of Haruhi Suzumiya (Tatsuya Ishihara, 2010)
- Nichijou (Tatsuya Ishihara, 2011)
- Chuunibyou demo Koi ga Shitai! (Tatsuya Ishihara, 2012)
- Tamako Market / Tamako Love Story (Naoko Yamada, 2013)
- Amagi Brilliant Park (Yasuhiro Takemoto, 2014)
- Koe no Katachi (Naoko Yamada, 2016)
- Miss Kobayashi's Dragon Maid (Yasuhiro Takemoto, 2017)
- Chuunibyou demo Koi ga Shitai! Take on Me (Tatsuya Ishihara, 2018)