segunda-feira, 15 de julho de 2019

Sora no Woto


Um dos animes mais influentes dessa década foi K-ON!. Seu sucesso tremendo deu origem a uma legião de animações que se inspiraram ou até mesmo copiaram seu estilo, seja tematicamente ou visualmente. Algumas foram bem sucedidas, outras nem tanto, mas pouquíssimas conseguiram capturar a essência humana e genuína da obra de Naoko Yamada.


Em 2010, quando a 1ª temporada de K-ON! estava em seu auge, o estúdio A-1 Pictures lançou uma animação chamada Sora no Woto (conhecida em inglês como Sound of the Sky). Muitas pessoas a receberam como a resposta desse estúdio ao anime da Kyoto Animation, devido às diversas similaridades - um anime sobre música, com um grupo de cinco garotas fofas que fazem coisas fofas e um character design quase que idêntico. Contudo, as semelhanças estão só na superfície, porque os dois trabalhos são menos parecidos do que se aparenta.



Mas antes de tudo, vamos falar um pouco sobre as personagens. A primeira a ser introduzida é a Kanata Sorami, uma garotinha alegre e fofa de 15 anos com um ouvido absoluto, nome dado àqueles que conseguem reconhecer uma nota ou tom só de ouvir. Ela é apaixonada por música e decidiu se juntar ao exército após se encantar ao ver uma soldada tocando trompete quando criança. Ela pensou que essa seria a única forma de conseguir estudar música.


Pois é, isso mesmo: exército! Só isso já é o suficiente para distanciar esse anime de quaisquer comparações a K-ON!, mas enfim. Ela se muda à pacata cidade de Seize para ingressar ao 1121º pelotão do exército de Helvetia, formado por outras quatro garotas. Por conta de não existirem conflitos nessa cidade, elas não ingressam em muitas atividades militares, apesar de estarem preparadíssimas para o que der e vier.

Esse tanque maroto que o diga. Até seu nome é ameaçador: Takemikazuchi.

A primeira delas a conhecer a Kanata é a Rio Kazumiya, uma moça bela, porém mal-encarada. Ela é estrita com a novata, mas tem um bom coração e se torna a fonte de inspiração dela por ser uma ótima trompetista. Sempre que decide tocar, a Kanata fica maravilhada. Essa, por sua vez, quando tenta tocar sua corneta, se torna motivo de risadas da Rio, mas ainda assim ambas se esforçam em ensinar e aprender. Isso só mostra que ter ouvido absoluto não te torna automaticamente um bom músico!


Uma garota que fica incomodada com a chegada da Kanata é a Kureha Suminoya. Ela é tipo um chihuahua: pequenininha, mas brava que dói. De início ela implica com a novata por também enxergar a Rio como uma figura inspiradora, a qual passou a dar mais atenção à Kanata do que a ela. Meio egoísta, né? Mas a Kureha é a mais nova do pelotão, o que torna compreensível essa atitude, sem contar que aos poucos ela amolece essa sua fachada de durona, apesar dela ser uma artilheira, então acho que tá no sangue agir dessa forma.


O pólo extremo da barulhenta Kureha é a Noel Kannagi, a taciturna mecânica do pelotão. Você raramente a vê abrindo a boca. Mas ela não é tímida, apenas é quieta mesmo. Inclusive eu diria que sua personalidade é bastante excêntrica. Seu controle sobre todos os tipo de arma e conhecimento de engenharia são tão incríveis quanto a sua habilidade de pegar no sono instantaneamente a qualquer hora do dia. Apesar de não aparentar, é uma garota que guarda diversos segredos...


Por fim, a tenente do pelotão e a mais velha delas é a Felicia Heideman, uma mulher gentil e afável que emana uma aura maternal tremenda. Apesar de seu posto ser o maior, ela é bastante liberal em relação a isso e pede para que todas se tratem em par de igualdade, ignorando cargos. Apesar de às vezes ser um pouco negligente em relação às suas obrigações, a Felícia não pensa duas vezes antes de botar a mão no gatilho quando a situação aperta.


Essas são as integrantes do 1121º pelotão do exército de Helvetia. Mas qual o motivo desse pelotão existir? É aí que entramos no que mais distancia Sora no Woto de K-ON!: o cenário, pois a série se passa em uma realidade pós-apocalíptica em que mais da metade do mundo se tornou inabitável por conta de conflitos que destruíram o meio ambiente e civilizações inteiras. A cidade de Seize, onde as garotas vivem, é um dos poucos lugares pacíficos do mundo, mas o pelotão precisa existir pelo fato da nação delas ainda se encontrar em guerra contra outra nação.

A guerra não escolhe seus prisioneiros.

Essa descrição faz parecer que é um anime sério e pesado, né? Ele é e ao mesmo tempo não é. Parte do conteúdo são as situações do dia-a-dia das garotas que são leves e cômicas, similar aos passatempos do Clube de Música Leve de K-ON!. Certos treinamentos, visitas à cidade e a dinâmica no geral entre as meninas remetem bastante às personagens do anime da KyoAni.


Mas algumas situações são um tanto esquisitas, digamos assim. A Felícia às vezes se deixa levar por seus fetiches com as meninas e existe um episódio cujo enredo é literalmente a Kanata apertada para ir ao banheiro, mas não pode abandonar seu posto por estar no aguardo de uma ligação importante. Pra piorar, nesse episódio ela usa um vestidinho que deixa as suas pernas em evidência e tem diversos planos dela se segurando para não mijar. O desfecho é deveras desconfortável.


O episódio mais divertido certamente é o 7.5, um extra em que as meninas enchem a cara de goró e participam de atividades como cantorias e conflitos armados....apesar da munição ser mais goró. Elas se dividem em dois times de três pessoas  até uma inocente freira amiga delas se junta à farra e fica chapada junto  em um combate que é levado a sério como se fosse uma verdadeira situação de vida ou morte. A execução exagerada disso é hilária.

A Noel em particular fica com sede de sangue durante o confronto.

Contudo, o que torna Sora no Woto um tanto pesado é a atmosfera. Apesar de Seize ser um lugar pacato, há sempre um sentimento de desolação no ar, de um mundo em ruínas, algo que se intensifica quando as meninas saem da cidade e veem lugares como a borda do continente, com um vasto horizonte desprovido de qualquer tipo de vida. Os flashbacks que mostram o passado das personagens durante a guerra também ajudam a dar uma perspectiva maior de como esse conflito foi devastador, especialmente os da Felicia e da Noel que mostram eventos cruéis.

O cruel passado da Felicia.

O mórbido segredo da Noel.

Esses flashbacks e momentos fora de Seize nos surpreendem ao mostrar como a civilização da obra é mais avançada do que imaginávamos, com tecnologias como tanques digitais que se locomovem rapidamente em quatro pernas e estruturas antigas espalhadas pelo continente que são carregadas de tecnologia desconhecida ao ser humano. É um universo rico e repleto de mistérios que ficam abertos à interpretação de quem assiste.

Uma aranha? Não, é um tanque mesmo.

Isso é realçado pela abordagem "show, don’t tell" da obra, em que diversos detalhes da narrativa e de seus personagens são mostrados de forma visual, às vezes implícita, sem diálogos expositivos como em muitas obras. O fato da equipe conseguir executar essa abordagem em um anime cujo trabalho de animação e direção não é tão refinado é digno de elogios. Não digo que tal trabalho seja ruim, mas a animação é um tanto dura às vezes e a direção é bem padrão, com poucos momentos de destaque.

O horizonte sem vida.

Outro elemento que enriquece a atmosfera da obra é o uso proeminente de ambiência ao invés de trilha sonora. Isso, em conjunto com o elemento mais encantador da arte de Sora no Woto que são os cenários, torna os lugares que as personagens visitam quase palpáveis com o tanto que você consegue sentir o clima deles. Mas sério, o desenho dos cenários é fascinante. As cenas de amanhecer em particular são deslumbrantes.





Apesar dessa abordagem de priorizar o uso de ambiência, não quer dizer que não exista uma trilha sonora. Muito pelo contrário, pois as músicas dessa série são lindas. Todas as composições são inteiramente orquestradas e, também em conjunto com os cenários, evocam o clima de uma Europa antiga. Todas elas têm nomes franceses e há até uma com um vocal francês. Algumas transmitem a pacificidade de Seize, enquanto outras passam a sensação de desolação de um mundo destruído. É um trabalho refinadíssimo.


Toda essa negatividade inerente da realidade em que as garotas se encontram é combatida pelo otimismo da Kanata. Eu não me apeguei emocionalmente à obra, mas o ar de esperança dela é o que torna crível um futuro auspicioso ao mundo em ruínas desse universo. Um momento que me pegou de jeito foi logo no primeiro episódio quando a Kanata e a Rio se comunicam por meio de seus instrumentos antes mesmo de se conhecerem. Não posso fazer nada se o meu ponto fraco são cenas que mostram o poder da música de unir pessoas, uma mensagem que é executada de forma linda nesse episódio.


Contudo, apesar de muitos classificarem a obra como parte do gênero "música" e com um nome que indica isso (O Som do Céu), eu diria que tal elemento é menos explorado até mesmo em comparação com K-ON!, que já é uma série conhecida por desapontar pessoas que esperavam um foco maior em música. Sora no Woto mostra brevemente o aprendizado de trompete da Kanata nos episódios iniciais e existem momentos dela e da Rio tocando, além de ser o motivo delas terem se conhecido, mas fora isso não é dado nenhum foco em música durante todo o decorrer da obra, então não a classificaria como parte do gênero.


E para fechar o texto, gostaria de falar sobre o melhor elemento da série: a abertura, em particular a música. A animação em si é interessante também, apesar de ser apenas imagens estáticas. Elas são inspiradas no trabalho do artista austríaco Gustav Klimt e ilustram a história das cinco donzelas de Seize que selaram um monstro flamejante usando seus próprios corpos e protegeram a cidade da destruição, um ponto central do folclore da série. Por mais simples que seja animação, as ilustrações são belas.

Mas a música, cara... É uma das melhores canções de abertura da história dos animes. Fiquei por umas duas semanas a escutando em loop sem parar. Sua instrumentação com uma pegada folk europeia me deixou fascinado, incomum de se encontrar em animações japonesas. O solo de flauta da versão completa é uma das coisas mais deliciosas desse nosso mundo. E a voz da cantora também é lindíssima.


A impressão final que tive de Sora no Woto foi de um trabalho cujo potencial não foi totalmente explorado. Não entenda como se o potencial tivesse sido mal explorado  não é o caso! É que seu universo é tão rico que apenas 13 episódios não são suficientes para explorá-lo devidamente, fica aquele gostinho de quero mais na boca. Não é a toa que a pequena mas dedicada fanbase da série é conhecida por suas extensas especulações a seu respeito. Infelizmente é improvável que tenhamos uma 2ª temporada futuramente, então precisamos nos contentar com o que temos. É um anime bom, mas que poderia ser muito mais.


-por Vinicius "vini64" Pires

Você pode ler minhas outras análises sobre animes clicando aqui.

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