domingo, 28 de abril de 2019

Mirai no Mirai


Aqueles que acompanham o blog há alguns anos sabem como a minha porta de entrada ao mundo dos animes foi o Studio Ghibli. Assisti a todos os filmes do estúdio em apenas uma semana. Fiquei encantado. Queria encontrar outros trabalhos similares. Foi aí que me deparei com o seguinte nome: Mamoru Hosoda. Os três primeiros filmes autorais dele conseguiram saciar essa minha vontade, pois são tão encantadores quanto grande parte da filmografia Ghibli, especialmente Wolf Children e A Garota Que Saltava no Tempo, sobre o qual escrevi aqui em 2016.


Porém, o quarto filme do diretor, The Boy and the Beast, se mostrou uma decepção. Nada memorável, tanto que eu precisaria reassisti-lo para criticá-lo, porque parece que foi apagado da minha memória. Ano passado foi lançado seu novo filme, Mirai no Mirai, que inclusive foi indicado ao Oscar de Melhor Animação, apesar desse feito não ser exatamente um mérito, já que estamos falando da mesma premiação que indicou O Poderoso Chefinho ao invés de Koe no Katachi (meu review). Com um pouco de receio, comecei a assistir Mirai na esperança de ver o retorno de Hosoda à glória dos seus primeiros trabalhos.



O filme conta a história de Kun, um garotinho mimado de 4 anos que deixa de ser o centro das atenções dos seus pais após o nascimento da sua irmãzinha, o que o leva a espernear a cada segundo para que eles o notem, mesmo quando percebe que estão demasiadamente ocupados com as tarefas de casa e com a nova bebê, ao ponto de até bater nela! Isso descreve o enredo inteiro do filme, do início ao fim.

Provavelmente o protagonista mais insuportável da história dos filmes de anime.

Ter um protagonista irritante desses não é um belo atrativo, muito pelo contrário  é algo que apenas subtrai consideravelmente as chances de você se apegar à obra, porque se passa mais tempo incomodado com o personagem do que qualquer outra coisa. Por mais que seja uma criança e suas ações sejam compreensíveis, é difícil de simpatizar com ele. E a história gira em torno dele e somente dele, é o único personagem principal da obra. Se a pessoa não gostar do Kun, acho válido dizer que automaticamente não gostará do filme também.

Ah, faltou dizer como a dublagem (japonesa) dele é bizarra, porque não soa de forma alguma como um garoto de 4 anos. Parece um muleque de 16 anos.

E isso mostra como o título do longa é enganoso. Mirai no Mirai significa "Mirai do futuro", nome da irmã do garoto. Com esse título, presumimos que ela seja uma protagonista ou que seja de extrema importância, certo? Errado! Pois se ela aparece por 10 minutos ao longo do filme inteiro é muito! Ela é importante ao desenvolvimento da história, mas não o suficiente para que o filme tenha o seu nome. É quase um clickbait.

Mirai do futuro com uma ótima fonte de potássio em suas mãos.

Mas ela faz parte do verdadeiro atrativo da obra, que são as viagens fantasiosas que ocorrem ao Kun quando ele vai ao jardim da casa depois de se frustrar com seus pais. Sempre que ele atinge o ápice do seu choro, o lugar se transforma em um portal que o transporta para lugares idílicos como florestas e aquários, permite que se encontre com uma versão humana do seu cachorro e com a sua irmã crescida do futuro, e até mesmo o leva a acontecimentos do passado que envolvem sua mãe e seu bisavô.

Essas viagens são como reflexões relacionadas às frustrações que tem, nas quais ele percebe que não deveria ter agido de birra com seus pais, como quando se encontra com a Mirai do futuro depois de maltratá-la e aprende a gostar mais dela no presente ou quando se encontra com seu bisavô no passado depois de desistir de aprender a andar de bicicleta e decide tentar novamente após experiências que o inspiraram. São nelas que ocorre o desenvolvimento do personagem.

Numa delas ele até se torna um cachorrinho. Será que o Hosoda não consegue fazer sequer um filme sem bichos felpudos antropomórficos? :v

Apesar desse ser o principal atrativo do filme, vou te dizer que quase nenhuma dessas sequências conseguiram evocar quaisquer emoções em mim. Sequer raramente me faziam esboçar um sorriso. Não são ruins, mas eu não me apeguei ao Kun para me importar com elas devidamente. E é uma abordagem que não me agrada tanto, essa de inserir fantasia apenas em determinados momentos com a única finalidade de tornar o garoto uma pessoa melhor, porque o motivo dessas viagens acontecerem nunca é explicado.

Eu li algumas interpretações de que os acontecimentos fantasiosos que o Kun embarca são parte da imaginação dele, mas acho isso um tanto falho. Creio que seja deveras improvável uma criança de 4 anos imaginar o seu bisavô à deriva no mar após ter seu navio destruído durante a guerra e imaginar que a árvore no seu quintal é um índice complexo que conecta o passado e o futuro de todas as gerações de sua família.

Certamente uma imagem criada pela imaginação de uma criança de 4 anos...

Uma dessas sequências, perto do final, chegou a me incomodar pela forma como ela diverge completamente do tom do filme. Ao longo de toda a sua duração o tom é leve, até bobinho em diversos momentos, mas isso muda drasticamente durante uma cena fantasiosa em que o Kun vai parar no subsolo escuro de uma estação e encontra um trem macabro com cadeiras em formato de caveira que parece quase um filme de terror. Me pareceu que quiseram forçar uma tensão ao clímax da pior forma possível.


Essa cena também é uma ótima abertura para falar sobre o visual do filme, porque ela é horrenda. O cenário desse subsolo da estação é inteiramente 3D, até mesmo o trem, sem qualquer mescla com 2D, então não há harmonia nenhuma entre essa cena com qualquer outra mostrada anteriormente. O mesmo pode ser dito para a forma como o Kun, um desenho 2D, interage com esse mapa 3D.

Diversos outros trechos do filme usam cenários 3D, alguns de forma agradável e outros nem tanto, mas nenhum se compara com a feiura desse aqui.

Algumas cenas seguem com a pira recente do Hosoda de transbordar a composição com uma infinidade de elementos gráficos ou efeitos de partículas, algo visto no clímax de The Boy and the Beast em uma sequência tão carregada de efeitos que era notável a queda drástica de FPS. O mesmo acontece em Mirai durante um trecho em que um zilhão de peixes levam o Kun ao passado e nos minutos finais quando ele adentra o índice da sua família, com a câmera navegando por um emaranhado de linhas digitais. O diretor tem duas opções: ou ele para com essa mania de grandeza ou arruma um PC potente que consiga renderizar essas cenas sem essa travadeira toda.

Quem dera eu ser um peixe...

No geral, fora a animação fluída dos personagens e de suas expressões, não há nada em que o filme se destaque visualmente. Tudo é básico. Os cenários são bonitos, o character design segue o padrão dos filmes do diretor  que já se tornou um tanto sem carisma , a direção cumpre o seu papel sem muito a se elogiar e a incorporação de computação gráfica varia entre aceitável a completamente desarmoniosa. Qualquer um dos três primeiros filmes do diretor supera Mirai em qualquer um desses departamentos artísticos.


Pra encerrar de forma menos negativa, creio que um dos poucos êxitos da obra seja a forma como os pais do Kun são retratados. São os únicos personagens com os quais você consegue simpatizar, porque as dificuldades que passam tendo que cuidar de um bebê e de uma criança mimada ao mesmo tempo que precisam trabalhar e arrumar a casa são representadas de forma bem realista.

É interessante como há uma reversão de papeis na relação deles, especialmente se levar em consideração o conservadorismo japonês, porque o pai é quem passa mais tempo com as crianças e arrumando a casa, enquanto a mãe trabalha fora, além dela ser a assertiva da relação. A personalidade extrovertida da mãe em contraste com o pai mais reservado e um pouco abobado formam um casal com uma química divertida de se ver. Mas se você quer assistir um filme sobre as dificuldades de se criar filhos em situações adversas, uma recomendação infinitamente melhor é o Wolf Children do próprio Hosoda.


Outro ponto positivo são as músicas de abertura e encerramento, de um gênero japonês conhecido como city pop, com uma sonoridade que te transporta aos anos 80 instantaneamente. É uma delicinha. Você provavelmente conhece Plastic Love, uma canção antiga que viralizou no YouTube durante os últimos anos. Então, esse é um dos melhores exemplos do gênero que existe. Não só isso, mas o compositor das duas músicas de Mirai é o marido da cantora de Plastic Love e um artista tremendamente famoso durante os anos 80! Mundo pequeno, né?


E acho que é isso, cara. É um review pequeno aos meus padrões, mas sinceramente não tenho mais o que falar porque o filme não tem mais a oferecer. É apenas uma história bobinha de uma criança chata que aos poucos deixa de ser birrenta por conta de viagens fantasiosas aleatórias. Não há profundidade, é um filme que raramente diverte e nem mesmo em seu visual ele se destaca. Sinto em dizer que é possivelmente o pior filme do Mamoru Hosoda. E novamente vemos a falta de credibilidade do Oscar, que indicou esse filme ao invés de Liz and the Blue Bird (review em breve), uma das animações mais humanas e delicadamente experimentais da história, com méritos técnicos que colocam Mirai no chinelo.


-por Vinicius "vini64" Pires

Leia também minhas outras análises sobre filmes de anime:
Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário: