Sabe quando você olha a capa de um anime e se interessa por ele, daí decide ler a sinopse para entender mais a seu respeito? Normal, né? Mas e quando essa descrição ainda parece vaga e não te revela muito sobre a obra? Tudo o que resta é assistir o primeiro episódio e entender qual é a do anime.
Foi isso o que fiz com Hinamatsuri, anime que estreou em abril deste ano. Mas para a minha surpresa, o primeiro episódio foi totalmente contra as minhas expectativas ao ver a capa e ler a sinopse. Eu imaginei que seria um slice of life com tema festivo, mas fui recebido por uma garota alienígena, dentro de um ovo, chegando ao apartamento de um homem da Yakuza. Isso que eu chamo de primeiras impressões impactantes! Mas o anime conseguiu manter o impacto ao longo de sua duração?
PERSONAGENS
O título Hinamatsuri vem do nome da protagonista, Hina. Ela é uma garotinha de outro mundo com poderes capazes de levitar pessoas e causar explosões catastróficas. Suas expressões faciais são sempre monótonas, assim como seu tom de voz. No início ela se mostra um tanto hostil, mas sua estadia com um certo mafioso a transformou em uma garotinha mimada que ama comer olho de peixe em todas suas refeições (credo).
O mafioso em questão é o Nitta, um membro da Yakuza que, em um dia aleatório, se depara com um ovo metálico dentro de seu apartamento, onde a Hina se encontra. Mal sabia ele que estaria cuidando da menina como se fosse sua filha depois de alguns dias. Como é podre de rico, ele dá de tudo a ela, o que faz com que fique mal acostumada com essa vida cheia de regalias.
Contudo, a Hina na realidade fugiu de seu planeta natal. Uma outra garota sobrenatural, chamada Anzu, é mandada à Terra com a missão de trazê-la de volta. Diferente da inexpressiva Hina, essa outra menina de cabelos loiros é estressada e não leva desaforo para casa. Seu dever não é cumprido como esperava, então ela acaba por começar uma nova vida na Terra, porém de forma completamente distinta de sua colega.
Ah, como esse semblante muda ao longo das experiência que essa garota vive... |
Uma garota da escola onde a Hina estuda teve a infelicidade de se tornar amiga de ambas as meninas superpoderosas (foi mal, precisava usar esse termo :v). Seu nome é Hitomi, aquela estudante dedicada que é boa em tudo que faz. Porém, sua vida vira de cabeça pra baixo ao conhecer a Hina e a Anzu e acaba se tornando uma bartender profissional que faz as melhores batidas da noite. Não me pergunte como.
Nada melhor do que um meme para representar a situação da personagem. |
Esses são os personagens principais, cujas todas situações giram em torno deles. Todos os outros personagens secundários estão relacionados a estes, como os membros da divisão da Yakuza que o Nitta faz parte, os quais um dia o prenderam em um tonel cheio de concreto; as colegas de classe da Hina, das quais uma é fissurada em resolver mistérios inexistentes e outra acredita que tem poderes ocultos; a mãe da Hitomi que acha que sua filha se tornou uma prostituta por chegar todo dia tarde em casa... O elenco é grande e cheio de figuras divertidas.
Faltou falar de uma personagem que é relevante, mas que só aparece em dois episódios. Não sei se isso a faz ser considerada irrelevante... Faz? Enfim, é a terceira garota sobrenatural, chamada Mao, que vai à Terra para – adivinha? – trazer a Anzu e a Hina de volta ao planeta natal delas. Claro que as coisas para ela também dão errado e a menina acaba isolada em uma ilha sem ninguém para conversar.
HUMOR
Hinamatsuri é um anime de comédia e um bastante competente nisso! Seu humor se baseia majoritariamente em aleatoriedades e absurdidades. Se tem algo que ele sabe dosar é o timing dos seus diálogos, como as reações dos personagens a determinados acontecimentos. Grande parte dos momentos que mais me arrancaram risadas foram piadas de uma frase só. É um humor objetivo, que arma uma piada curta e já parte para outra.
Eu realmente queria falar mais sobre o humor, pois essa foi uma das animações mais engraçadas que já assisti na vida, eu ri em praticamente todos os episódios, mas estou com uma certa dificuldade em descrever o porquê do estilo de Hinamatsuri ser tão cativante. Eu poderia dar diversos exemplos de cenas divertidas aqui, mas não acho que seria a melhor abordagem. Talvez eu precise ter uma aula com grandes comediantes como Rafinha Bastos e Danilo Gentili para avaliar objetivamente animes como esse...ou posso fazer piadas, como elogiar esses dois pseudo-comediantes :v
Mas apesar da comédia ser o seu melhor campo de atuação, o anime também explora momentos dramáticos e sentimentais. De início eu pensei que estes destoavam do seu estilo, mas só depois eu fui perceber que logo no primeiro episódio já dão uma dica de que momento assim existirão com o diálogo da Hina com o Nitta sobre ela apenas ser usadas pelos adultos em seu planeta natal.
Já prepare seus lenços... Apesar de que a maioria das lágrimas serão de risadas. |
Apesar destes não se destacarem tanto quanto os trechos cômicos, sua execução muitas das vezes não decepciona. Falarei a respeito disso em detalhes na próxima seção. E até mesmo estes momentos fazem parte da comédia do anime, pois a transição destes para os trechos descontraídos geralmente é abrupta e anticlimática, sempre me faziam rir.
ARTE
Não tenho muito o que reclamar ou elogiar em relação ao visual do anime. É um trabalho sólido, não vejo defeitos. Animação fluída, cenários bonitos, efeitos bem trabalhados... A única crítica que posso fazer a seu respeito é em relação às crianças aparecerem peladas pela primeira vez. Tudo bem que é pra imitar O Exterminador do Futuro, mas sei lá, são crianças. A Mao fica mais da metade do episódio andando nua pela ilha. Mesmo que não mostre nada obsceno, é um tanto incomodo.
Um exemplo tanto da animação da série quanto do seu humor, ambos competentes.
Talvez seu aspecto que mais se destaque seja o design dos personagens. O cabelo azul-marinho da Hina realmente me passa a impressão de um ser sobrenatural, sei lá porquê; a Anzu com sua jaqueta de motoqueiro é estilosíssima, assim como a Hitomi quando está trabalhando de bartender; e o Nitta sempre com o topo da camiseta desabotoada e uma correntinha de ouro é exatamente o que eu espero ver de um mafioso sexy da Yakuza.
Um detalhe quase que único desse anime são as bordas brancas de luz no cabelo dos personagens. Digo "quase" pois essa também é uma característica do melhor anime de 2018, Sora Yori mo Tooi Basho (meu review). Outro detalhe que merece destaque são as expressões exageradas que aparecem quando acontece algo de absurdo – ou seja, com muita frequência. Qualquer situação que já era hilária se amplifica com o uso dessas expressões.
SURPRESAS
Algo que não esperava deste anime é que ele tivesse um ótimo desenvolvimento de personagens. A titular Hina chega ao mundo com uma personalidade estoica, não demonstra emoções e não entende os sentimentos humanos. Mas à medida que passa a viver com o Nitta, ela compreende melhor a vida humana.......da pior maneira possível, já que está vivendo com um mafioso. Se habitua a uma vida cheia de regalias, só quer saber de comer e dormir. Mas ela realmente gosta do Nitta e o enxerga como um pai.
O sentimento do rapaz da Yakuza é mútuo. Ele que desfrutava de uma vida sem regras acaba tendo que adaptar seu estilo de vida após a chegada de Hina. Ao início ele não se sente confortável com a situação, afinal, não é nada agradável chegar em casa e ver seus vasos caríssimos despedaçados no chão. Mas a menina começa a crescer em seu coração ao longo do tempo e ele a trata como a filha mais mimada de todas.
É fantástico como a relação entre os dois traz alguns dos momentos mais bonitos e humorosos do anime. Suas interações são tão bem arquitetadas que é difícil não rir quando o Nitta chama um advogado da Yakuza para escrever um discurso de candidatura ao grêmio estudantil à sua filha, assim como é difícil de não se sentir triste quando a Hina desconfia do Nitta por ter tido experiências ruins com adultos no mundo de onde veio.
O ápice da ambivalência é o episódio de despedida entre os dois, em que a Hina deve voltar ao seu planeta e ambos estão visivelmente abalados. Nitta deixa a menina no local combinado e volta cabisbaixo para casa. Porém, era apenas um alarme falso – a Hina poderia continuar na Terra! Ela corre alegre em direção ao apartamento do Nitta, e ao chegar lá...
Xiiii, Nitta, a casa caiu. |
Mas o desenvolvimento desses dois não chega nem perto de outras duas personagens. A primeira delas é a Hitomi. Essa menina começa o anime como uma simples estudante do ensino fundamental e, ao último episódio, é uma bartender com inúmeros contatos do mundo corporativo. Isso é ridiculamente hilário, claro, mas por mais que seja tratado como uma piada, os roteiristas conseguiram fazer uma crítica bastante sutil ao trabalho infantil ilegal.
Em um dos episódios, a Hitomi começa a trabalhar em mais de dois lugares e tenta balancear isso com a sua vida estudantil, além de continuar recebendo diversas propostas de emprego e sair da casa da mãe para morar sozinha. É difícil não rir com a absurdidade dessa situação, especialmente por conta da expressividade exagerada da menina, mas é mostrado que ela não está satisfeita com essa vida que a sobrecarrega e a leva aos seus limites. Ela chora e anseia pela volta de uma vida normal, assim como muitas crianças que são submetidas a trabalhar antes da hora.
Esse é um dos exemplos da habilidade de Hinamatsuri em comunicar problemas da sociedade sem perder a sua essência cômica. Outro exemplo disso, embora abordado de uma maneira mais impactante emocionalmente, se encontra na personagem Anzu. O seu desenvolvimento é sem dúvidas o que mais surpreendeu a todos neste anime. Quando ela chega à Terra descendo o cacete numa gangue de motoqueiros e assaltando lojas, ninguém jamais imaginou que ela se tornaria uma filha ideal e um exemplo de humanidade ao fim da série.
Ao vê-la furtar lojas para sobreviver, um grupo de moradores de rua a acolhem e a ensinam que não se pode viver assim. Sendo apenas uma criança, ela acata aos ensinamentos deles e passa a sobreviver conforme estes, ou seja, coletando latinhas para arranjar dinheiro. Ela passa a perceber a importância de trabalhar duro para conseguir o que é seu e de dar valor àqueles que te ajudam. Mesmo com a merreca de dinheiro que consegue, ela faz o possível para agradar estes senhores que a acolheram e a ensinaram como viver honestamente.
Mas a vida de moradores de rua é cheia de adversidades. Além de terem que suar o dia inteiro para ganhar uma quantia pífia de dinheiro que mal sustenta sua sobrevivência, eles também precisam lidar com o governo que tenta os impedir de viverem tranquilamente onde estão alocados. Em um fatídico dia, a Anzu recebe a notícia de que eles serão despejados do parque onde se encontram suas humildes barracas.
A menina, com sua ingenuidade infantil, tenta impedir que isso aconteça com cartazes. Mais tarde, tenta incentivá-los a encontrar um novo lugar, juntos. Mas a realidade é muito mais dura que seu anseio. O governo é impiedoso com esse tipo de gente, então não havia nada que pudesse ser feito. Os desabrigados acreditam que a Anzu é muito jovem para viver esse estilo de vida, então arranjam um casal dono de restaurante para adotá-la e propiciá-la uma vida decente, enquanto eles seguirão vagando sem rumo.
Contudo, a garota não aceitou isso com facilidade. Ela não queria se despedir destes que a ensinaram a sobreviver. Ao se encontrar no conforto de uma casa com comida, chuveiro e cama, ela não se considera digna de ter uma vida dessas enquanto seus companheiros estão lá fora sofrendo. Foi nessa hora, junto do choro honesto da menina, que todos telespectadores perceberam como essa personagem era incrível. Essa situação toda é certamente o maior ponto alto do anime, um dos poucos de comédia que consegue te fazer rir e chorar ao mesmo tempo.
E não para por aí. A Anzu aplica todos os ensinamentos que obteve dos moradores de rua à sua nova vida com o casal do restaurante. Ela se dispõe a ajuda-los no estabelecimento, por mais que eles se oponham, e sempre os agrada após o expediente, como quando faz massagem nas costas dolorida do seu novo pai. Em um dos episódios, a garota tem a oportunidade de ir às fontes termais com eles, mas recusa, pois acredita que esse momento é para os dois aproveitarem sozinhos após tanto trabalho.
O contraste da Anzu com a Hina é absurdo. Enquanto uma dá o máximo de si para conseguir o que precisa e nunca reclama da situação, por mais árdua que seja, a outra tem tudo o que precisa, mas só sabe pedir, reclamar e parece que nunca está satisfeita. É um contraste nada incomum de se encontrar na nossa sociedade, não só em crianças, mas também em adultos bem crescidinhos.
Para finalizar, uma personagem que deixou sua marca aparecendo em apenas dois episódios foi a Mao. O primeiro deles a mostra isolada numa ilha deserta, onde conversa com cocos com os rostos da Hina e da Anzu, ao estilo O Náufrago. Ela passa meses lá, sobrevive da maneira que pode, faz o máximo para se divertir com seus cocos e com as tarefas diárias, mas chega uma hora que a solidão aparece e a assola. Ela decide criar um barco de madeira e adentrar o imenso mar.
O episódio final chega, os créditos rolam e nada de sabermos o destino dessa garota. Mas essa foi apenas mais uma pegadinha de Hinamatsuri, pois esses créditos na metade do episódio foram um alarme falso! O restante de sua duração se reserva à Mao, três anos depois, agora em um templo de artes marciais como a menina prodígio do local.
Um detalhe interessante é que é justamente assim que o anime se inicia, com uma cena dela lutando contra monges, mas a personagem ainda não havia sido apresentada, então o episódio final traz o contexto da cena inaugural da obra. Acho genial quando fazem esse tipo de coisa.
E seus momentos no episódio final são engraçadíssimos, uma ótima forma de se encerrar o anime. |
Ah, e se você se interessou pelo assunto dos moradores de rua e sabe ler inglês, dê uma lida nesse artigo sobre a situação deles no Japão. Vale a pena. Você vai se surpreender em como a representação desse anime de comédia a respeito deste tema pouco abordado em animações japonesas foi bastante acurada.
CONCLUSÃO
Eu não tenho o costume de assistir muitos animes de temporada, geralmente pego no máximo 2 ou 3. Mas pelo visto sempre faço as escolhas certas do que assistir, pois na temporada anterior conheci um dos animes mais importantes da minha vida e agora Hinamatsuri se mostrou um dos melhores animes de comédia que já vi, com um elenco vibrante e momentos surpreendentemente sentimentais.
-por Vinicius "vini64" Pires
Leia também minhas outras análises sobre animes humorosos:
- Lucky Star (Yasuhiro Takemoto, 2007)
- Nichijou (Tatsuya Ishihara, 2011)
- Tamako Market (Naoko Yamada, 2013)
- Amagi Brilliant Park (Yasuhiro Takemoto, 2014)
- Miss Kobayashi's Dragon Maid (Yasuhiro Takemoto, 2017)