Se você acompanha o blog há um tempo, deve ter ouvido falar sobre os animes do World Masterpiece Theater, dos quais eu fiz algumas análises aqui. Desde dezembro de 2016 que não escrevo sobre nenhum deles, visto que alguns trabalhos mais recentes chamaram a minha atenção, trocando o meu foco estrito em animações antigas.
Mas isso não quer dizer que parei de vê-los. No começo de 2017, assisti ao anime de 1978 do WMT, The Story of Perrine (Perrine Monogatari), adaptação do romance francês En Famille de Hector Malot. Lançada um ano antes de Anne of Green Gables e dois anos depois de Marco, dois trabalhos merecedores do título de obras-primas, como será que esse se compara a estes dois gigantes?
HISTÓRIA
Geralmente a primeira seção de meus textos é focada mais nos personagens do que na história, mas essa série não introduz um elenco de personagens recorrentes até chegar em sua segunda metade. Isso se deve ao fato de que a primeira metade é uma jornada de grande escala, similar a Marco, em que acompanhamos a ida de uma garotinha e sua mãe da Sérvia até a França abordo de uma humilde carroça guiada somente pelas duas.
A garota se chama Perrine Paindavoine, uma mocinha diligente e educada de 12 anos que faz de tudo para ajudar sua mãe debilitada. Mesmo doente, a mulher não se deixa parecer abatida durante um segundo sequer e decide partir nessa jornada rumo à França, onde mora o pai de seu falecido marido e avô de Perrine, a fim de proporcionar uma vida melhor à sua filha.
Como é de se esperar de uma obra do World Masterpiece Theater, essa jornada está longe de ser livre de adversidades. O trajeto entre os países é longo e árduo, especialmente de se atravessar numa carroça velha movida por um burro senil. Durante os meses de viagem, Perrine e sua mãe enfrentam intempéries, resfriados, falta de comida, imprevistos com a locomoção, precisam lidar com pessoas de mal-caráter, entre outras dificuldades. Isso tudo culmina na piora fulminante da situação de saúde da senhora Paindavoine. O pior acontece – a mãe de Perrine falece e a menina deve prosseguir viagem sozinha, o que a leva a enfrentar mais problemas ainda.
Depois de muitos percalços, Perrine chega à cidade de Maraucourt, na França, onde descobre que seu avô, Vulfran, é um dono de fábrica milionário que movimenta toda a indústria da cidade com produção de algodão. Além disso, ela fica sabendo que o senhor é cego, austero e temido por todos. Com medo de ser rejeitada logo de cara, ela assume o nome falso de Aurelie e começa a trabalhar na fábrica a fim de se aproximar dele.
Outro grande empecilho é o fato do sr. Vulfran ansiar pelo retorno de seu filho, Edmond, o qual já faleceu e ele ainda não sabe disso. Como se isso não fosse o suficiente, ele também despreza a mãe de Perrine por ser indiana e por ter "roubado" seu filho dele, o que dificulta mais ainda a vida da pobre garota.
Apesar disso, a Perrine vê bondade em seu avô e, durante essa segunda metade da série, acompanhamos sua missão em ser aceita como sua neta. Ela conhece novas pessoas, boas e más, e começa a viver uma vida completamente diferente da que estava habituada.
ARTE
Em relação a arte de The Story of Perrine, tem um aspecto lindo e outro feio. Vocês querem ouvir a notícia boa ou a ruim primeiro? A boa? São os cenários. Que os desenhos destes são fantásticos não é nenhuma novidade para as séries do World Masterpiece Theater, mas acredito que os dessa obra sejam uns dos melhores de toda essa coleção de animes. São encantadores, fascinantes, talvez até mais do que as próprias paisagens europeias que representam. Veja por si mesmo, dessa vez com imagens panorâmicas!
Em contrapartida, temos a "notícia ruim" – o character design. O desenho dos rostos é esquisitíssimo, me dá a impressão de terem sido desenhados por crianças, especialmente alguns personagens cujos olhos são apenas bolinhas pretas, algo que não combina com o estilo desses animes. A expressividade deles é bem limitada por conta disso, diminuindo o impacto emocional de algumas cenas. Chega a ser irônico o fato de que a produção do ano seguinte, Anne of Green Gables, tem um dos designs de personagem mais lindos de toda a franquia, enquanto o de The Story of Perrine é um dos mais feios.
E falando em formas de arte, um detalhe que me fascina nessa animação é como ela mostra os processos de fotografia no século XIX. Não mencionei isso na primeira seção pois não achei espaço, mas durante a viagem, a Perrine e sua mãe trabalham como fotógrafas, então vemos em detalhes como eram feitos os retratos nos primórdios da fotografia, desde a preparação até a revelação com toda aquela química envolvida (feita dentro de uma carroça!).
Geralmente eu reservo uma seção para a parte sonora das séries que analiso, mas no caso de The Story of Perrine não tenho o que pontuar. Nada é memorável, nem mesmo a abertura, que é algo que sempre adoro na maioria dos animes da franquia. Isso não quer dizer que a parte sonora seja ruim, apenas que não foi marcante para mim.
MEU ENVOLVIMENTO COM A SÉRIE
Se você leu outras análises minhas sobre séries do World Masterpiece Theater, sabe que eu costumo me envolver emocionalmente com elas, desenvolvendo uma empatia enorme pelos personagens. Infelizmente isso não aconteceu com The Story of Perrine, mas dessa vez não foi por ser uma produção problemática como é o caso de Pollyanna e Romeo's Blue Skies. O que ocorreu foi que inventei de assistir outro anime junto desse e este acabou ofuscando seu brilho.
Caso esteja curioso, o anime que roubou a cena desse foi nada mais nada menos que Sakura Card Captors, obra que se tornou uma de minhas animações favoritas de todos os tempos e você pode conferir minha análise aqui.
No entanto, apesar de não ter sido criado esse vínculo emocional que agrega um valor enorme às obras, The Story of Perrine é uma série com quase nenhum problema de narrativa. Diferente das duas produções do WMT supracitadas, a trama é dramática e melancólica sem abusar de artifícios que a superdramatizem. Temos cenas de morte, sofrimento e adversidades que são conduzidas de maneira natural como se fosse a vida real. O mesmo vale aos momentos de superação que são um marco da franquia.
Eu gosto de como o roteiro trabalha os antagonistas da série, se é que posso usar esse termo para descrevê-los. O que mais prezo nos trabalhos do WMT é o realismo, e vilões são um produto da fantasia. Na vida real, existem pessoas com más intenções e isso que é retratado nessa animação com os personagens Talouel e Theodore. Eles são dois homens oportunistas cuja única ambição na vida é tomar o lugar do Vulfran na fábrica quando ele vier a falecer, então paparicam-no sem parar.
Eles agem com oposição à Perrine devido à sua proximidade repentina com o dono da fábrica, o que vêem como uma ameaça. Mas apesar de ansiarem pela morte de Vulfran, basicamente é só isso que sabem fazer, pois são apenas dois babacas. Eles não tem capacidade de fazer nada para alcançar seu objetivo além de tentar extrair informações da Perrine por ser apenas uma criança ou ficar ouvindo conversas escondidos. Isso os torna dois personagens acreditáveis, pois existem muitas pessoas iguais a eles por aí.
A primeira metade da série é a minha favorita. Ver a Perrine e sua mãe passando por diversos lugares diferentes e enfrentando as mais variadas situações é tão envolvente que, após uns episódios, me senti como se estivesse acompanhando essa jornada há diversos meses, deu a impressão de que o tempo para mim estava correndo igual no anime.
Mas claro, o maior destaque da obra fica para a relação da Perrine com seu avô Vulfran durante a segunda metade. O fato dele não saber que ela é sua neta aumenta o fator da tensão de inúmeros momentos, como quando ele menciona os falecidos parentes da garota. É incrível acompanhar a mudança gradativa do senhor, desde sua insensibilidade para com os outros até seu apreço por sua neta. A maneira com que o roteiro conduz isso ao longo de mais de 20 episódios torna os momentos finais da série, como a descoberta da morte do Edmond e, especialmente, que Perrine é sua neta, deveras impactantes.
A evolução da Perrine é outro ponto alto da série. Os lugares que ela dorme ao decorrer de sua jornada são uma bela representação disso. Começando em uma carroça, passando para uma cabana de feno, depois para um quarto luxuoso, até chegar em uma mansão enorme, atingindo o ápice.
Para encerrar, um dos momentos que mais me marcou. Com poucos artifícios, como uma ambientação noturna, a movimentação dos cervos e puro diálogo, a cena conseguiu transmitir o drama da separação de uma mãe de seu filho, mesmo que com animais. A direção de arte dessa cena também é fantástica.
CONCLUSÃO
Apesar de minha experiência com The Story of Perrine ter sido ofuscada por outro anime, não é por acaso que este é considerado um dos melhores do World Masterpiece Theater pelo público japonês. A jornada de Perrine é realista, envolvente e emocionante, com um drama na medida certa que não a torna exagerada. E fica a dica: evite assistir muitos animes ao mesmo tempo para impedir que um deles saia prejudicado :P
- Heidi, A Garota dos Alpes (Isao Takahata, 1974)
- Marco (Isao Takahata, 1976)
- Anne of Green Gables (Isao Takahata, 1979)
- My Annette (Kozo Kuzuha, 1983)
- Pollyanna (Kozo Kuzuha, 1986)
- Little Women II: Jo's Boys (Kozo Kuzuha, 1993)
- Romeo's Blue Skies (Kozo Kuzuha, 1995)