domingo, 14 de janeiro de 2018

Miss Kobayashi's Dragon Maid


Um dos animes mais comentados de 2017 foi o segundo mais recente da Kyoto Animation, chamado Miss Kobayashi's Dragon Maid. Aclamado pela crítica e público, também se tornou sensação na internet com inúmeros memes feitos em cima do trabalho. Mas sucesso não é garantia de qualidade pra mim.

Algo me deixava incerto se deveria assistir a essa série. Grande parte da exposição que recebia era devido ao seu conteúdo de fanservice e estereótipos. Me passou a impressão de que o humor era centrado somente nestes elementos e que era apenas um anime bobinho de comédia sem nenhuma sustância, feito para atrair a nata do público otaku. Contudo, decidi assisti-lo para tirar minhas próprias conclusões.


PERSONAGENS

Tudo começa quando a "Dona" Kobayashi, uma programadora de 20 e poucos anos de idade, enche a cara após um exaustivo dia de trabalho e vai parar numa floresta. Lá encontra um enorme dragão que ameaça matá-la, mas ela tava tão chapada que retira uma espada fincada no dragão, oferece saquê a ele e o convida para sua casa.


Acontece que esse dragão na verdade é uma fêmea (uma...dragoa? Essa palavra existe?), chamada Tooru. Como forma de gratidão por ter retirado a espada de suas costas, ela aceita o convite da Kobayashi e se oferece para ser sua empregada, assumindo uma forma humana. Diferente de sua nova dona, uma mulher estoica mas amável, Tooru é alegre e carismática, sempre com um sorriso no rosto.


No universo da série, os dragões são seres de outro mundo que conseguem transitar entre o dos humanos. A presença de Tooru atrai outros dragões para Kobayashi e sua nova empregada, com o primeiro deles sendo a Kanna. Por ser um dragão novo….com 200 anos de idade, ela assume a forma de uma criança e age como uma – apesar de ser pouco birrenta se for comparada com a maioria das crianças –, tratando a Kobayashi como uma mãe.

Uma característica marcante sua é que sempre está com a mesma expressão facial de indiferença, mesmo que esteja empolgada ou triste.

Após insistir muito, Kanna começa a frequentar a escola, onde se torna a criança mais popular. Lá ela conhece a Riko Saikawa, uma garota que inicialmente age com hostilidade à pobre dragoa, mas logo é conquistada por sua amabilidade e fofura, chegando a desenvolver uma paixonite por ela.

Uma relação inocente entre crianças? Não é bem assim... (mais detalhes na próxima seção)

Depois quem chega é a Quetzalcoatl, mais conhecida como Lucoa, uma ex-Deusa que perdeu seu título de divindade no mundo dos dragões após se embriagar e causar um escândalo. Eu deveria dizer que, apesar dela ser gentil e amigável, escândalos são sua especialidade, tudo graças a sua voluptuosidade, ressaltada por suas roupinhas inadequadas.

Exagero é pouco para descrevê-la...

Procurando um lugar para ficar, Lucoa vai parar na casa do Shouta, um garotinho filho de magos que a invoca após um ritual. Sem saber como agradar crianças, ela constantemente oferece seu corpo ao pobre coitado que sempre fica constrangido e sem saber como reagir.

Não é só ele quem fica constrangido...

O próximo a aparecer é o Fafnir, um dragão apático e hostil que sente aversão por seres humanos e quer matar todos eles. Mas ele é o famoso cão que ladra e não morde, porque tudo o que faz no mundo dos humanos é jogar video-games, e muito! Ele é tão viciado que vira noites em claro jogando no computador.


Fafnir se hospeda na casa do Takiya, um programador colega de trabalho da Kobayashi. Ele parece ser um cara normal quando está trabalhando, mas na verdade é um nerd otaku que adora video-games e tem inúmeros pôsteres de garotas de anime em seu quarto. Ele até muda sua aparência e jeito de falar quando está empolgado com seus games.

Esses dois formam uma dupla divertida e mais interessante do que se aparenta.

O último dragão a dar sua graça é a Elma. Procurando resolver algumas pendências com a Tooru, ela é ingênua demais para ser levada a sério e acaba sendo relegada. Um simples pacote de pão cremoso foi o suficiente para fazê-la esquecer seus problemas, pois é fascinada pelas comidas do mundo dos humanos.


Esse é o elenco de personagens o qual acompanhamos a vida diária que, apesar da convivência com dragões, é comum e tranquila à maior parte do tempo. Vemos a Tooru se adaptando à vida de uma empregada humana, a Kanna frequentando a escola, o trabalho desgastante da Kobayashi, as jogatinas do Fafnir com o Takiya, as peripécias da Lucoa com o Shouta, entre outros eventos da vida dessa galera.

ESTILO

Maid Dragon é aquele anime que você olha a capa e pensa "Hmm, as personagens são mais peitudas que o normal, então deve ser uma série com o humor focado no fanservice", e é exatamente isso. Se você já leu alguns reviews meus, sabe como eu desprezo fanservice e não seria diferente com essa série. Apesar de não ser tão exagerado como eu imaginava, ele tá sempre presente e às vezes é incômodo, especialmente quando envolve crianças.

Tome um shot de vodka a cada piada com peitos que é feita e você acordará num hospital.

Além do fanservice, grande parte do humor se sustenta em estereótipos de animes. Empregadas já são um clichê por si só; o Fafnir se enquadra naquilo que chamam de personagem tsundere; e aí tem o infame estereótipo de lolis, explorado em demasia com a Kanna.

Uma personagem é considerada loli quando é uma criança (ou quando tem um corpo subdesenvolvido) e a mostram de maneiras com que as pessoas possam sentir algum tipo de atração. Isso é muito errado. Apesar de sua personagem não se resumir só a isso, a Kanna infelizmente se enquadra nessa descrição e esse não é o único problema relacionado a ela.

O problema mais grave de Maid Dragon é o fato de que simplesmente não existe inocência nas crianças da obra. Toda piada que as envolvem tem alguma insinuação sexual no meio. Uma piada recorrente é a da Riko surtar sempre que a Kanna encosta nela, quase como se estivesse tendo um orgasmo.

Parece bobinho, mas tem um episódio que as duas ficam uma em cima da outra, NAQUELAS POSIÇÕES, com uma conversa que não faz o mínimo esforço pra esconder a tensão sexual entre as duas. Tem até um outro momento em que a Kanna chupa os dedos da Riko. Isso é errado pra caralho.


Outra personagem que abusa desse problema é a Lucoa com a sua relação com o Shouta. Todas, absolutamente TODAS as piadas que envolvem os dois são ela constrangendo o garoto com seu corpo de maneira sugestiva. Mesmo quando não está junto dele seu único propósito é ser um objeto de desejo sexual, não tem um momento sequer que ela se destaque fora desse âmbito. É a personagem mais rasa do anime, só existe pelo fanservice.


Mas não é só de defeitos que o humor da série é composto, também têm diversos acertos. Grande parte dos personagens são cômicos por natureza, como a Tooru e suas tentativas de ganhar o coração da sua dona e fazê-la comer o seu rabo (calma calma, dessa vez estou falando literalmente do rabo de dragão dela, com sua carne comestível!), a Elma e seu fascínio por comidas, a Kobayashi sempre que fica bêbada, a Kanna quando engole tudo o que vê pela frente... Melhor ainda é quando essas figuras se juntam. A química entre eles é um dos pontos altos da obra.

Tooru oferecendo seu rabo para a Kobayashi.

O meu dragão favorito é o Fafnir. A repulsa que sente por seres humanos junto da sua fixação por video-games são duas coisas tão dissonantes que fazem dele um personagem divertidíssimo. Sempre rio quando ele fala qualquer coisa relacionada a morte e quando expressa sua repugnância por humanos aos próprios.

Nada melhor do que se apresentar numa peça para idosos falando "Humanos patéticos!"

Durante cada episódio têm umas pequenas esquetes estilo Nichijou (leia meu review) com um humor mais direto ao ponto, divertidas e fofas. Até a maneira como são introduzidas é cômica, com cinco caracteres surgindo um por um e formando uma expressão, um emoticon ou algo abstrato. Os títulos dos episódios também merecem destaque por se comunicarem diretamente com o telespectador, quebrando a quarta parede.


Apesar do gênero principal ser slice of life, essa não deixa de ser uma obra fantasiosa, então têm alguns momentos em que os dragões usam seus poderes. Simples lutinhas e jogos de queimada se elevam a proporções épicas, com explosões, destruições, raios e até kamehamehas. Aí você une tudo isso ao trabalho de animação incrível da KyoAni e temos um verdadeiro espetáculo visual.


Contudo, apesar de ser uma série de comédia, sua verdadeira fundação está nos temas que trata. Aceitação pessoal, família, encontrar seu lugar no mundo, importância de pessoas queridas... São esses temas que giram o enredo e foi exatamente o que mais me surpreendeu, além de contar com inúmeras análises sobre o comportamento humano que proporcionam boas reflexões.

A relação da Kobayashi com a Tooru é muito bonita, pois uma completa a outra. Antes da dragoa aparecer em sua vida, ela era mais quieta e pouco sociável. Sua convivência com a nova empregada e com a Kanna trouxeram uma felicidade que transformou a vida dessa que outrora era uma programadora infeliz. O mesmo pode ser dito para a Tooru, que aprendeu valores humanos, os quais fizeram dela uma pessoa melhor.


Outra representação mais sutil de afetividade pode ser vista na relação entre o Fafnir e o Takiya. A hospitalidade do rapaz faz com que o dragão tenha uma nova visão a respeito dos humanos, realçada por sua convivência com suas amizades. Por não ser bom com palavras, ele demonstra sua afeição por meio de pequenas ações. Em uma cena, ele sabe que vai chover e que o Takiya vai se molhar, então já deixa uma toalha e roupas preparadas para quando seu parceiro chegar em casa.

                      

O foco da série nesse tipo de desenvolvimento me surpreendeu diversas vezes, como em um episódio que se autoentitula o episódio de fanservice por ter cenas de praia, mas apenas uns 20% servem essa finalidade, com os 80% restantes sendo usados para abordar o passado da Tooru e da Kobayashi – fundamentando um pouco mais de suas personalidades – e para mostrar uma representação afetiva da importância de eventos de animes aos fãs. "As pessoas são atraídas para esse lugar porque tem algo especial que só existe aqui", se referindo não somente às atrações, mas também à experiência de viver aquele momento.


Maid Dragon é um caso estranho, pois é um anime que seria ótimo de se assistir com a família devido aos temas que trata com honestidade, mas tem uma grande parcela de conteúdo que o torna altamente desaconselhável de se assistir com seus parentes e com qualquer um que não esteja familiarizado com animações japonesas.

ARTE

Bom, o character design tem que sustentar um dos pilares da série que é o fanservice, então quase todas as personagens femininas tem seios enormes e sempre mostram as curvas de seus corpos, especialmente a Lucoa. Só a Kobayashi que é uma tábua, mas isso faz parte do humor da obra. Apesar de eu geralmente não gostar de designs com essa finalidade, não dá pra negar que os personagens de Maid Dragon exalam carisma.

Eu gosto do estilo da vestimenta dos dragões. A Tooru usa um avental comum de empregada, mas unido de seus chifres e um rabo enorme de dragão, temos uma combinação única. A Lucoa está sempre com roupas um tanto reveladoras, como shortinhos e camisetas regatas com decotes, o que combina com sua personalidade despreocupada.

A Kanna é a mais estilosa, com suas roupas esotéricas cheias de adornos e adereços, lembrando um pouco uma indiana, só que branca. A Elma se destaca quando está vestida formalmente para o trabalho, simplesmente por não combinar nada com sua personalidade. O Fafnir se veste como um mordomo normal, então não tem muito o que se destacar, a não ser o fato de que você não costuma ouvir um mordomo dizendo que vai matar todos os humanos.


Algo que me fascina são os olhos dos dragões em suas formas humanas. O motivo é bem simples, na realidade – são olhos de dragões.....em corpos humanos. O design deles é quase hipnotizante, me lembra joias raras, poderia ficar encarando-os durante um dia inteiro, especialmente os da Tooru.


Mas o que mais se destaca na arte da série são os cenários. Enquanto os personagens são desenhados de maneira "comum", com traços bem definidos e colorização padrão, o desenho dos backgrounds beira o impressionismo, seguindo uma estética de rascunho com linhas bruscas, espaços em branco e pintura estilo aquarela. Chega a ser cômico ver os personagens interagindo com esses cenários em alguns momentos. É um dos charmes da obra.


Maid Dragon não chega a ser um esplendor visual como Nichijou, mas ainda assim é um trabalho com um visual distinto e fantasticamente trazido à vida pelo trabalho sempre competente da KyoAni.

ÁUDIO

A trilha sonora... Ela... Bom... Uh... É, acho que não tenho nada a falar sobre a trilha. As músicas são divertidinhas, grande parte delas são arranjos de uma mesma composição, mas nada que fique na sua cabeça por muito tempo. Elas combinam com o clima da série, mas são esquecíveis.

                        

Já a abertura de Maid Dragon é algo especial. Além da música ser incrivelmente cativante, com um pegada estilo disco no início, a animação é peculiar no melhor sentido da palavra, cheia de excentricidade, com os dragões requebrando seus quadris, códigos saindo da tela do computador, flores brotando cabeças, a Tooru correndo enquanto cria rastros psicodélicos do seu corpo e muito mais.

Mas nada supera a parte dos helicópteros humanos. Eu não sei dizer o porquê, mas esse trecho me proporciona uma felicidade tão grande que me dá até calafrios. São somente pessoas sorridentes girando no céu, mas é uma paisagem que consegue ser indescritivelmente bela. É uma das aberturas de anime mais divertidas que existe.

                       

E acho que é só isso que tenho a dizer sobre a parte sonora da série. A música de encerramento é bonitinha, a dublagem é boa e os efeitos sonoros também, mas nada que mereça destaque.

CONCLUSÃO

Miss Kobayashi's Dragon Maid superou minhas expectativas. Ao ver as imagens e memes, jamais imaginei que essa obra teria um coração tão grande, que trata de temas essenciais para uma pessoa de maneira honesta e as vezes até sentimental, sem nunca parecer forçado. Mas o fanservice exagerado e o tratamento longe de ser inocente dado às crianças são defeitos que subtraíram meu desfrute. É um anime bom, mas não tão memorável como outros trabalhos do estúdio.



-por Vinicius "vini64" Pires

Leia também minhas outras análises sobre animes da Kyoto Animation:

Comentários
2 Comentários

2 comentários:

yokoelf disse...

Interessante, foi bem o que ouvi falar mesmo, que além do fanservice tem uma camada um pouco mais desenvolvida tratando de relacionamentos humanos e tal.

Algo no design dos personagens me fazia gostar bastante eu não sabia dizer o que, mas agora sei, são os olhos de dragão, isso ficou bem legal mesmo! E o Fafnir parece ser muito engraçado ehaushauheuah.

Esse fascínio dos japoneses por menores de idade e até garotas prepubescentes realmente incomoda... tipo, tudo bem botar um apelo sexual na obra, mas tem que ser com crianças? Eu tinha lido já "you don't lewd the dragon loli" mas pelo jeito o anime em si nem faz esforço pra evitar isso, até estimula.

Tem um ponto bom aí pelo menos que a protagonista (a Kobayashi) é maior de idade, trabalha, etc. é mais fácil de se identificar eu acho, eu já to um pouco cansado dos protagonistas adolescentes ahuheuaheuha.

Matheus GM disse...

Eu vi muita problematização em relação à essa obra, eu me diverti pra caralho assistindo, cheguei a rolar na cama muitas vezes de tanto rir, como o motivo de choro de muita gente não chegou a ser incômodo algum pra mim, então só vi vantagens. Mas eu pensaria duas vezes antes de recomendar este anime para alguém se algum dos "problemas" citados for incomodar a pessoa, assim poupa a pessoa de passar de raiva e eu de ter que escutar reclamação.