domingo, 27 de maio de 2018

DISSECANDO CENAS – Panelas, olhares e arrependimentos (Hibike! Euphonium 2, Ep. 10)


Chegou a hora de eu inaugurar uma nova coluna do blog: Dissecando Cenas! Como o nome indica, analisarei detalhes e aspectos específicos de determinadas cenas cujo conteúdo é o rico o suficiente para render um texto individual a respeito.

Com esse texto inaugural, abordarei três momentos interconectados do 10º episódio da 2ª temporada de um dos meus animes favoritos, Hibike! Euphonium. Como estes são muitíssimo importantes ao enredo da obra, fica o alerta de spoiler. Sem mais delongas, vamos dissecar!



A primeira cena é de uma conversa entre as irmãs Kumiko e Mamiko Oumae. As duas tem um passado complicado, que vai desde uma grande afinidade durante a infância até conflitos na adolescência, os quais causaram um afastamento entre as duas. O ambiente muitas vezes conturbado em sua residência por conta das constantes brigas da Mamiko com seus pais também não ajudava.

Porém, em um determinado dia, seus pais não estavam em casa e a Mamiko se deparava com dificuldades em cozinhar. Ao ver isso, a Kumiko decide amparar sua irmã mais velha, já que conseguia sentir o fedor de sua gororoba lá do quarto. Nesse raro momento de calmaria, sem nenhuma agir com desprezo à outra, elas começam uma conversa franca.

Que jeito de se iniciar uma conversa, hein?

A Mamiko decide se abrir à sua irmã menor. Um tanto hesitante, ela fala sobre os erros que cometeu na adolescência, sobre as decisões erradas que moldaram a sua vida no que é hoje. Ela expõe tudo isso à Kumiko e ainda revela como sempre sentiu inveja dela por poder viver da maneira que queria, enquanto ela seguia o estilo de vida que seus pais lhe impunham. OBS: Prestem bastante atenção nos diálogos a seguir.

A olhadinha que a Mamiko dá ao lado mostra uma certa hesitação em começar essa conversa. Um detalhe mínimo que diz muito.













A Kumiko, por sua vez, apresenta uma dualidade, pois exteriormente ela mostra estar desinteressada pelo que sua irmã está falando, tanto pelas expressões faciais de indiferença quanto pelo tom de voz que beira o inexpressivo, mas um único plano dela olhando de lado para a Mamiko quando essa assume uma postura de determinação revela que seus pensamentos interiores não refletem o seu exterior.

Por essa expressão parece até que o pensamento que lhe ocorria era "Que baboseira ela tá falando?"

Kumiko decide responder.


O plano em questão que contradiz o que ela tenta transparecer.

O mais fascinante dessa cena é a alegoria da panela que representa a vida da Mamiko. Ela começa com uma panela totalmente suja e bagunçada, assim como o que a sua vida se tornou. Mas se esforça duramente para limpar o utensílio e retirar todas suas impurezas. Algumas parecem mais difíceis de se remover, estão encrostadas, assim como as feridas que mais nos marcam.




Dura como uma pedra. Quase uma ferida permanente.

Mas ela dá o máximo de si para conseguir retirar tudo. No fim temos uma panela limpa que, embora esteja desgastada e cheia de marcas, ainda pode ser usada para cozinhar deliciosas comidas. É como a vida da Mamiko – cheia de erros e arrependimentos, mas que ela quer superá-los e seguir em frente, mesmo com as marcas negativas que deixaram nela.

Ela agarra a esponja com tanta firmeza que dá pra sentir sua pulsante determinação.






Expurgar as feridas e recomeçar do zero com um sorriso no rosto, o grande anseio da Mamiko.

Após esse desabafo, uma pergunta. "Você está triste porque vou sair de casa?", questiona Mamiko, cuja resposta da Kumiko é "Na verdade, não". A irmã mais velha então prossegue dizendo que assistirá a apresentação de sua irmã menor na competição e elogia suas habilidades com o eufônio, o que a deixa surpresa. O momento fraternal entre elas termina com um conselho da Mamiko à Kumiko:


Ao acordar no dia seguinte, Kumiko se dirige ao quarto de sua irmã e vê que ela já se foi. O que era para ser apenas mais um dia normal está diferente. Suas expressões faciais mostram claramente que algo se passa em sua cabeça, que algo a incomoda.



Durante sua viagem de trem, ela fita o horizonte como se estivesse em outro mundo. A conversa cordial que teve com sua irmã, depois de anos apenas brigando e se desentendendo, a fez se recordar da relação que tinha com ela quando criança, pois foi a Mamiko quem a inspirou a começar a tocar música.



Quando se dá por conta, está chorando. Estava tão perdida em seus pensamentos que começou a chorar sem nem perceber. Ao notar isso, ela tenta esconder, mas o que está sentindo é forte demais para que consiga. As palavras da Mamiko ficaram mais claras do que nunca: Kumiko se arrependeu de não ter expressado aquilo que realmente sentia à sua irmã com a saída dela.



Essa cena é poderosa. Além da honestidade do choro da Kumiko que fez com que eu me emocionasse junto dela, reforçado pelos enquadramentos primorosos acima, a cena retrata sublimemente a situação constrangedora que é chorar em um transporte público, com pessoas próximas dela dando olhadinhas de lado, sem saberem como reagir, visivelmente desconfortáveis.

Chega a ser absurdo o nível de preciosismo da KyoAni ao animar essas olhadas de forma tão natural, especialmente das pessoas que apenas fazem parte do cenário e que você apenas notará seus movimentos se assistir a cena novamente. São essas nuances que dão vida ao anime, que fazem tudo parecer real e criam um ambiente que te permite sentir a emoção do momento.

Dei zoom e desfoquei o canto esquerdo da tela para verem melhor.


Somente essas duas cenas já seriam suficientes para fazer deste um episódio memorável, porém a equipe aparentemente ainda não estava satisfeita. Ela queria que este fosse o melhor episódio de Hibike! Euphonium, o que nos leva à cena da Kumiko confrontando a Asuka. Se você já assistiu ao anime, provavelmente deu calafrios só de lembrar, pois é provável que seja seu momento mais impactante.

Ao descobrir que a Asuka estava planejando abandonar a banda definitivamente, Kumiko a chama para uma conversa. Logo de início a veterana já "coloca sua armadura" e começa a fazer piadinhas com a colega eufonista, mas Kumiko mostra que não veio a brincadeiras. Seu semblante trazia uma seriedade jamais vista na garota.




Kumiko tenta convencê-la a voltar à banda, mas a postura inabalável da Asuka faz com que sua confiança comece a se esvair e dê lugar à insegurança. Ao notar isso, a senpai sai da defensiva e assume uma posição ofensiva. Ela sabe exatamente quais os pontos fracos de sua amiga e os ataca diretamente. A imponente Asuka não se deixa abalar e fala com convicção, mesmo indo contra seus sentimentos reais. Ela argumenta como se dissesse fatos e apela ao psicológico da Kumiko.



Kumiko aos poucos é encurralada.


Uma representação simbólica da situação que a Kumiko se encontra, presa nas teias da Asuka. Direção maravilhosa.







Kumiko fica abalada com os ataques da Asuka.


A senpai se considera vitoriosa e detentora da razão, como sempre, então começa a bater em retirada.

Neste momento, a srta. Oumae se lembra da conversa que teve anteriormente com sua irmã. "Tente não guardar seus arrependimentos". Antes que a Asuka tivesse a oportunidade de ir embora, a Kumiko ergue a cabeça e começa a jogar umas boas verdades na cara dela. FATOS INCONTESTÁVEIS. Assim como a Asuka atacou a ferida da Kumiko, essa ataca a ferida da veterana que é revidar seus argumentos com fatos e não deixar que se sinta superior e dona da verdade, pois ela é apenas uma adolescente que se acha adulta e madura por aguentar todo esse sofrimento e seguir em frente.



Asuka decide contestar.
OBS: A legenda está errada, é "pare" ao invés de "parece".

Mas Kumiko não abaixa a guarda dessa vez.









Essa cena é o ápice de como uma animação pode trazer atuações que vão além do que um ator pode expressar em uma produção live-action. A expressividade da Kumiko é inigualável, tão intensa que você não precisa nem saber o contexto para se emocionar junto dela, isso sem contar a atuação espantosa da dubladora da personagem, Tomoyo Kurosawa. Cada enquadramento e cada traço de desenho desse momento é carregado de emoção e sentimentos a flor da pele.

A panela ardente Kumiko.



A explosão espontânea de emoções da Kumiko faz com que até a inabalável Asuka se abale.

Kumiko foi a primeira pessoa a quebrar a armadura da Asuka e mostrar que ela não pode viver sem a ajuda dos outros.

Essa foi a primeira vez que Asuka viu uma pessoa se preocupando legitimamente com ela.

Até as cenas com as personagens mais distantes contam com uma animação fluída e minuciosa.

O discurso da Kumiko deixa a Asuka tocada, mas em vez de termos uma comoção por sua parte, ela não sai de sua personagem e simplesmente faz um cafuné em sua amiga enquanto fala algo ambíguo e irônico. A Kumiko pergunta se pode ver seu rosto, mas a Asuka responde negativamente. As emoções da Asuka são transmitidas pela sua voz ligeiramente trêmula e takes que mostram suas pernas tremendo levemente e seu rosto diagonalmente. Que direção fenomenal.


"Se você olhar meu rosto, sua família será amaldiçoada para sempre".

Note que é possível vê-la piscando, apenas com o movimento dos seus cílios. Esse é o preciosismo de animação da KyoAni.

A discussão sentimental termina abruptamente quando a Aoi chama a Asuka à sala por causa do resultado de um simulado. A Kumiko então solta um suspiro de alívio depois de todo esse desgaste emocional que passou.


Não é a toa que esse episódio é considerado por mim e por muitos um dos melhores de Hibike! Euphonium, se não for O melhor. É um exemplo primordial da maestria da KyoAni em construir um drama pessoal realista e em comunicá-lo através de composições visuais que transmitem magnificamente todos os sentimentos dos personagens, seja por suas expressões faciais e corporais meticulosamente trabalhadas ou por simbologias como enquadramentos de uma panela e de uma teia de aranha consumindo a personagem.



-por Vinicius "vini64" Pires

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