Enquanto me preparo para o texto de Made in Abyss, pensei em escrever, para me aquecer, um curtinho sobre um anime também curtíssimo chamado Yama no Susume. A primeira temporada tem 12 episódios de apenas 3 minutos, e a segunda, consideravelmente maior, tem 24 episódios de 12 minutos, totalizando aproximadamente 5 horas de duração.
PERSONAGENS E HISTÓRIA
A principal da história é a Aoi Yukimura, uma tímida garota com algumas dificuldades em socializar. Quando criança, era fascinada por montanhas e chegou até a ver o amanhecer no topo de uma, mas desde que sofreu um acidente em que caiu de um brinquedo alto e quebrou um osso, ela tem medo de altura e sai pouco de casa, preferindo se divertir sozinha.
As coisas mudam repentinamente para a menina quando uma amiga de infância, Hinata Kuraue, entra em sua vida novamente. Ela é uma garota energética e brincalhona que adora tirar sarro da Aoi, mas acima de tudo, quer reviver o amor que sua amiga tinha por montanhas e começa a arrastá-la para fazer trilhas junto dela. Lentamente, com um pouco de relutância no início, Aoi vai percebendo como é divertido e gratificante praticar montanhismo, apesar das dificuldades.
Enquanto comprava equipamentos em uma loja, Aoi encontra Kaede Saitou, uma moça bela e alta também fã de montanhismo. Indagando qual saco de dormir comprar, ela pede ajuda para Aoi, dando um empurrãozinho para melhorar as pífias capacidades de socialização da garota. Após o encontro, as duas se tornam amigas e, junto de Hinata, começam a trilhar mais montanhas.
Durante uma de suas trilhas, as amigas encontram a Kokona Aoba, uma doce menina que adora a natureza e os animais. Diferente das demais que são meio tomboy, vestindo-se como garotos na maioria das vezes e com cabelos curtos, Kokona é mais mocinha, com cabelos longos e sempre roupada de belos vestidos. Ela me lembra a Tomoyo de Sakura Card Captors, tanto visualmente quanto em seu jeito fofo e formal de falar.
A amizade dessas quatro é uma relação linda, divertida e confortante de se assistir. |
Todas as situações giram em torno delas, mas alguns outros personagens aparecem de vez em quando, como o pai da Hinata, especialista em montanhas, a mãe da Aoi, sempre preocupada com a nova atividade da filha, a mãe da Kokona, fofa e atenciosa com sua filha, a melhor amiga da Kaede, sempre tentando corrigir os maus hábitos dela, entre (poucos) outros. Acho que os personagens coadjuvantes que mais me marcaram foi um casal gringo que está escalando o Monte Fuji na segunda temporada. É engraçado ouvi-los falando em inglês super empolgados com a trilha que estão fazendo.
Kokona e Hinata com os gringos. |
ARTE
Devo dizer que o traço me agrada bastante, afinal, adoro personagens fofas e a fofura delas é fortemente realçada por seus designs. As cenas de comida (que são muitas!) chegam a dar água na boca e olha que eu nem gosto de comida japonesa. Acho que os artistas dessa série analisaram cuidadosamente os filmes do Studio Ghibli para aprender como desenhar comidas de maneira apetitosa. Posso dizer que eles fizeram a lição de casa direitinho!
Mas, indubitavelmente, o grande mérito artístico desse anime está em seus cenários. Santa Chariot dos céus, que trabalho exuberante! As meninas visitam lugares que realmente existem no Japão, majoritariamente montanhas, e essas pinturas não poderiam fazer jus maior às paisagens japonesas. É um trabalho meticuloso que transpira vida, você consegue sentir a atmosfera dos locais, especialmente nas cenas que mostram o lindo amanhecer.
Como imagens valem mais do que mil palavras, aqui estão alguns cenários para vocês se deliciarem.
Essa parece até uma foto de verdade. Impressionante. |
Não sei exatamente qual a reputação dessa série no Japão, mas acho que eles deveriam se orgulhar muito, pois ela funciona praticamente como um guia turístico do país! Além de retratar com fidelidade inúmeros pontos turísticos como cidades, parques e montanhas, o anime também mostra todos os preparativos que devem ser feitos para visitar estes locais, especialmente no que se refere às trilhas nas montanhas. Eu falo como um leigo no assunto, mas esse comentário de uma pessoa que escalou o Monte Fuji e se identificou com a obra mostra como ela é fiel à realidade.
O fato é que Yama no Susume acendeu um fogo dentro de mim, uma vontade enorme de visitar todas as montanhas retratadas e muitas outras do Japão. Já sei como me preparar, que equipamento comprar e, mais importante, tenho uma ideia da sensação que me espera no cume dos montes ao amanhecer, mas só saberei de verdade quando experienciar. Agora praticar montanhismo é uma das minhas prioridades para quando estiver no país, junto de visitar a New Tama Town – cidade onde se passa a obra-prima mais importante de minha vida, Whisper of the Heart – e o Museu Ghibli.
O nome em inglês do anime é Encouragement of Climb e é justamente isso que ele faz – te encoraja a escalar. |
Eu adoraria que só tivesse comentários positivos a fazer sobre a arte dessa série, mas infelizmente nem tudo na vida é um mar de flores. Nesse caso, é muito pelo contrário...
UM PROBLEMA CRÍTICO
Após terminar a primeira temporada, vi que tinha um episódio extra e fui assisti-lo. Tudo estava indo bem, até que a maldição de praticamente todos os animes modernos apareceu – o fanservice. Cara... São crianças... E esse estúdio teve a coragem de colocar uma cena de uma das meninas tomando banho em um plano que a mostra de baixo pra cima??? Eu fiquei revoltadíssimo e torci para que isso não voltasse a se repetir na segunda temporada. Porra, é uma obra sobre montanhismo, amizade e garotas fofas. Até NISSO eles conseguem enfiar apelação sexual? VSF!
Infelizmente, minhas preces não foram atendidas e isso persistiu na segunda temporada. Como a Kaede é mais velha, é lógico que a escolheriam para ser a personagem sobressexualizada, colocando-a em roupas que dão destaque às suas curvas. E claro que não poderia faltar a clichêzérrima cena de banho em águas termais. Mas o ápice da desgraça é o episódio 7, em que a Aoi deve comprar um “biquini sexy” para um encontro na piscina com as garotas. Pqp, os planos desse episódio me enojam. Esse foi feito com o único intuito de sexualizar as meninas e SÓ. Ele não agrega em NADA na história. Não faz diferença alguma se você pula do 6 para o 8. É deplorável.
Sim, eu me recuso a ilustrar qualquer um desses momentos mencionados. |
Graças a todas as entidades sagradas que existem no universo, acho que o estúdio percebeu a merda que eles estavam fazendo e decidiram parar com o fanservice depois desse lixo de episódio. Sério, vocês não tem noção de como isso me incomodava. Quase parei de assistir por causa disso. Por sorte eu continuei, porque, depois que desistem de apelar com sexualidade, é só alegria e amorzinho.
ÁUDIO
A trilha sonora não é nada de outro mundo, mas é bem agradável de se escutar. As composições são variadas – algumas têm o xilofone como instrumento principal para emular aquele som de infância, outras são um jazz leve e suave e outras me lembram as músicas dos jogos Animal Crossing da Nintendo, uma franquia que inclusive é um tanto similar com essa animação por transmitir uma paz de espírito a quem está jogando...claro que eu não perderia a chance de elogiar algo da minha empresa de games favorita, né? :v
As aberturas e encerramentos nunca conseguiram me prender direito (finalmente!), exceto por um dos encerramentos que é praticamente a música tema da série, visto que ela é usada nas duas temporadas. As outras peças são bonitinhas e tals, mas essa me parece ser a que melhor transmite toda a positividade da obra, especialmente por ser cantada pelas dubladoras da Aoi e da Hinata, algo que agrega um valor sentimental ainda maior à canção.
TEMAS
Além das paisagens deslumbrantes, o que mais me fascinou em Yama no Susume foi que, mesmo sendo uma obra despretensiosa e leve, ela aborda temas essenciais para a nossa vida de uma maneira que conseguimos absorver perfeitamente o que está sendo transmitido. A primeira temporada é a que mais surpreende, por conseguir tratar de assuntos como solidão, timidez, insegurança e importância das amizades em apenas 36 minutos! A segunda temporada expande ainda mais a abordagem desses tópicos e acrescenta questões de trabalho e estudos, tudo ministrado com diálogos inspiradores e poéticos.
"Um emprego pode ser difícil, mas você passa por todo tipo de experiências e isso realmente expande seus horizontes!" |
Eu me identifico bastante com a Aoi, no sentido de que sou uma pessoa tímida com poucas amizades e consigo me divertir sozinho, mas eu sei que a sensação dessa diversão individual não chega nem aos pés da felicidade que é se divertir com os amigos. Esse é um dos temas centrais da obra e algo que a Aoi vai percebendo gradativamente e que transforma sua vida completamente.
Antes das amizades: "Me divertirei sozinha!", com uma expressão de felicidade vaga no rosto. Depois das amizades: "É muito confortante", com uma expressão de contentamento e realização. |
A evolução da Aoi ao longo da série é fantástica. Se você compara como ela era no primeiro episódio da temporada 1 e como ela está no último episódio da temporada 2, é incrível. As experiências que teve explorando o Japão, conhecendo novas pessoas e lugares a tornaram mais comunicativa. Sua paixão por montanhas até a impulsionou a procurar um trabalho de meio-período para conseguir arcar com as despesas. Mas tudo isso não veio facilmente, ela teve que superar muitos de seus medos ao longo do processo.
Como superação e frustração andam lado a lado, a obra não poderia deixar de mostrar os dois lados da mesma moeda, afinal, superar medos não é uma das coisas mais fáceis do mundo. Apesar das altas expectativas e força de vontade, a vida não é um conto de fadas, então Aoi acaba não conseguindo ir ao cume do Monte Fuji por causas que talvez pudessem ter sido evitadas, o que a deixou deprimida e sem forças. É algo difícil de ser contornado? Com certeza, mas com a ajuda das amizades que você mais considera, até o intangível se torna palpável.
CONCLUSÃO
Tirando o fanservice detestável que felizmente dura por poucos episódios, eu adorei cada momento de Yama no Susume. Essa é uma animação que derrete seu coração de tanta fofura e te deixa feliz para o resto do dia, além de trazer reflexões importantes para a sua vida. Mas o melhor sentimento que ela me proporcionou foi essa vontade pulsante de trilhar montanhas pelo Japão. É certo que quando eu for para o país vou deixar meu sedentarismo de lado e perder uns quilinhos explorando as mesmas paisagens que essas garotas desbravaram.
-por Vinicius "vini64" Pires
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