domingo, 4 de setembro de 2016

Pollyanna

Em 2014, decidi assistir, por indicação, a um filme do diretor de animação japonês Hayao Miyazaki. Fiquei fascinado. Tive que assistir à filmografia completa dele. Quando terminei, vi que haviam mais filmes do estúdio em que trabalhava e fiquei me perguntando “será que esses outros são tão bons como os dele e com o mesmo estilo de arte”?

Ano passado, foi a vez de eu assistir as séries dirigidas pelo Isao Takahata, também do Studio Ghibli, sobre as quais escrevi aqui para o Goomba (Heidi, Marco e Anne). Vi que elas faziam parte de uma coleção de séries chamada World Masterpiece Theater, composta por adaptações em animação de livros europeus e americanos que eram exibidas no Japão a cada ano a partir de 1974. Ao ver que existiam outras séries sem o envolvimento do Takahata, me veio à cabeça um pensamento igual ao do parágrafo anterior: “não sei se essas séries vão ser tão boas quanto as dele, não sei se tô afim de assistir...”.

Basicamente, o trabalho desses dois diretores é tão espetacular que eu apliquei a eles algo que apelidei de complexo de superioridade em terceira pessoa, em que desdenhava da qualidade de animações que fizessem parte de um conjunto que também contivesse trabalhos destes diretores. Logo percebi que isso era tolice minha e que devia parar de endeusá-los, por mais magnífico que fossem suas obras – eu devia dar chances para os desenhos sem o envolvimento deles.

Em relação ao Studio Ghibli, assisti a todos os filmes do estúdio e pude confirmar que alguns eram tão bons quanto os do Miyazaki e outros não. Um destes se tornou minha obra visual favorita de todos os tempos, apesar de contar com o roteiro de Hayao. Quanto ao World Masterpiece Theater, comecei a missão de assistir todas suas séries mês passado e comecei por esta deste artigo que vos escrevo.




The Story of Pollyanna, Girl of Love (conhecida mais simplesmente como Pollyanna) é a série de 1986 do World Masterpiece Theater, uma adaptação dos livros americanos Pollyanna e Pollyanna Grows Up da escritora Eleanor H. Porter. Durante o curso de seus 51 episódios, acompanhamos a vida de Pollyanna Whittier, uma garotinha órfã com uma visão super otimista do mundo que tenta compartilhar esse seu modo de enxergar as coisas com todos que passam por seu caminho.




PERSONAGENS

Conforme mencionado anteriormente, a personagem que da o título à história é a garotinha Pollyanna. Ela perdeu sua mãe quando tinha três anos de idade e, alguns anos depois, foi a vez de seu pai partir para o céu. Porém, ela aprendeu com ele que a vida é melhor quando você está feliz, que deve sempre achar algo para ficar alegre, não importa qual seja a situação.

Não se preocupe, é impossível esquecer esse ditado: ele é
repetido mais de 200 vezes durante a série.

Após a morte de seu pai, a menininha vai morar com sua tia em uma vilazinha dos Estados Unidos. Polly Harrington é uma quarentona antissocial que mora em uma mansão enorme isolada de qualquer contato humano senão seus empregados, os quais ela trata como se fossem meros serviçais. A chegada de uma criança hiperativa e faladora foi um choque para a moça que estava acostumada a ficar o dia inteiro com um silêncio absoluto em sua residência.

Apesar de sua tia não saber direito como lidar com a situação, o mantra da menina de sempre achar algo para ficar feliz logo contagiou todos que entravam em contato com ela, pois não havia nada que a deixava mais contente do que ver os outros alegres.




A Pollyanna é o mais puro sinônimo de altruísmo. Não aguenta ver tristeza estampada no resto de uma pessoa e muito menos vê-la chorando. Quando se depara com alguém nesse estado, ela esquece seus próprios sentimentos e faz de tudo para ajudá-lo a ficar feliz. Se não consegue, entra em desespero e fica mais depressiva do que quem está tentando ajudar. Isso é que é empatia, hein amigos!

Mas uma coisa espetacular dessa série é a maneira como a Pollyanna é animada. A personalidade e expressividade dela ganha vida de um jeito que você não vê igual em nenhum outro personagem, com todos seus trejeitos como pulos, giros, gesticulações e mexidas com o dedo no cabelo sendo representados de uma forma vívida sem igual. Isso faz com que ela seja uma das poucas personagens carismáticas e memoráveis dessa série. Por que eu digo isso? Na seção DRAMA eu vou abordar um grande problema na caracterização dos personagens.





MÚSICA

Decidi pular o tópico em que falaria sobre a parte visual da série porque realmente não tem muito o que se dizer. O trabalho de cenários é excelente, a animação é bem fluída e o character design é ótimo, bem parecido com os do Studio Ghibli. Mas tem um aspecto que me incomodou demasiadamente nessa produção – a trilha sonora.

Algo que me fascinou nas séries do Takahata foi como elas sabem respeitar os momentos de silêncio dos personagens, as situações em que eles estão observando alguma paisagem, refletindo sobre a vida ou simplesmente fazendo ações cotidianas de suas vidas. Estes são momentos que não precisam de trilha sonora. Infelizmente isso não existe em Pollyanna – são raríssimos os momentos de silêncio. Sempre tem música tocando na maioria das situações.

Mas o problema se agrava mais ainda quando grande parte das composições não combinam com o que está sendo mostrado em cena. Tudo bem que a grande mensagem da série é “seja feliz”, mas isso não quer dizer que 80% das músicas têm que ser alegres quando existem diversos momentos de tensão e tristeza na produção. E as músicas felizes tocam durante estas situações! Claro que não se aplica a todas elas, mas a uma grande parcela. É raro sentir uma sinergia entre imagem e som nessa série.

Acredito que a única pontuação positiva que posso fazer referente à trilha sonora dessa série são as músicas de abertura e encerramento. Diferente da maioria das produções do World Masterpiece Theater, Pollyanna tem duas aberturas e encerramentos e ambas as peças são bem cativantes que ficaram na minha cabeça por muito tempo. Mas claro, eu sou meio suspeito pra falar disso, pois sou fã de músicas oitentistas e essas composições têm anos 80 estampado no som delas. Puro synth e bateria sintetizada.
                      

DRAMA

Enquanto com as três séries do Takahata a última seção dos meus artigos se chamava VALOR SENTIMENTAL, nessa aqui será diferente, pois ela lamentavelmente falhou em agregar um valor sentimental em mim. O motivo? Ela tenta de mais forçar os sentimentos.

O maior problema dessa série é o drama excessivo - TODOS OS PERSONAGENS choram e ficam tristes na maioria das situações. Não há uma individualidade de caracterização quando surge um problema: ele aflige a todos da mesma maneira, as reações sempre são lágrimas, independente do personagem. Além disso, grande parte das situações são mais dramatizadas do que deveriam. Tem uma cena que uma personagem desmaia e aqueles que estão envolta dela começam a gritar, chorar e se desesperar sendo que ela simplesmente desmaiou! Calma gente, não é o fim do mundo!

Sério, 80% dos episódios da série tem gente chorando.

O grande diferencial das animações do World Masterpiece Theater é o foco no realismo. Digo isso com base nas três séries do Takahata, que foram as que assisti até o momento. É claro que nelas existem momentos de drama e choro, afinal estes fazem parte da vida uma pessoa. Mas a quantidade e maneira como os personagens reagem a tais situações sempre é bem calibrada, nunca passando do acreditável – você realmente sente o que eles estão passando. O fato de Pollyanna depender muito da superdramatização dos acontecimentos e mostrar diversas situações de tristeza de maneira ininterrupta fez com que eu não conseguisse sentir empatia pelos personagens, pois as coisas que aconteciam não me eram credíveis, não havia naturalidade.




Outro aspecto que achei bem incomodo foi o número exorbitante de flashbacks mostrados ao longo da série. Quando chega à metade, praticamente todos os episódios tem pelo menos um flashback (sim, tem episódios com mais de um!). Não tenho nada contra o uso destes, mas quando aproximadamente 35% das cenas da série são flashbacks, é que existe um sério problema de storytelling.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

É, infelizmente a primeira série do World Masterpiece Theater que assisti após as três obras-primas de Isao Takahata não foi a melhor das escolhas. Nem o carisma absurdo da personagem principal consegue salvar o desempenho fraco dessa produção que é basicamente uma novela mexicana animada. Uma coisa é certa: você nunca vai esquecer que deve achar algo para ficar feliz, independente da situação. A moral de Pollyanna é jogada na sua cara a cada segundo de cada episódio, mas não deixa de ser uma boa mensagem.





-por Vinicius "vini64" Pires

Leia também meus outros artigos de animações:

Comentários
1 Comentários

Um comentário:

Maine disse...

I think the biggest problem about "Pollyanna" is that it was pressured to follow the success of "Princess Sarah". "Princess Sarah" was well-received for its (over the top) drama and it's no surprise that "Pollyanna" tried to copy that formula. While it received a good amount of ratings, it seems that its popularity didn't last for some reason. While I enjoyed the first arc of it, the next one becomes downright disappointing due to the problems that mentioned in your review. Not to mention its novel version "Pollyanna Grows Up" was a let down and that's another reason why I didn't like it. Part of the reason why "Pollyanna" (novel) is great is that is has a nice balance of slice-of-life and seriousness. It would be better if Nippon Animation just be more focused on the first arc and try not be too dramatic. I was very pissed when a certain character there was killed early for the sake of drama.