O estúdio Kyoto Animation é um dos mais populares do mundo dos animes. Desde que estourou com o sucesso de séries como The Melancholy of Haruhi Suzumiya, Lucky Star e K-ON!, seus novos trabalhos anuais são aguardados por uma legião de fãs. A popularidade do estúdio se deve à consistência de suas obras, como o visual estonteante, personagens fofas e temas que revolvem o dia-a-dia de nossas vidas.
Mas existe outro elemento recorrente em seus trabalhos, um que não me orgulha quando digo que sou fã do estúdio: o fanservice. As suas personagens fofas também são atraentes em diversos casos e eles sabem como capitalizar em cima disso. Em algumas séries o fanservice é quase inexistente, em outras chega até a ser distrativo de tão frequente, mas nenhuma delas se compara ao primeiro anime de 2016 do estúdio quando o assunto é esse.
Me refiro a Musaigen no Phantom World, um anime de temática sobrenatural que é lembrado hoje apenas por uma infame cena de uma garota peituda dançando limbo enquanto balança seus seios para conseguir passar por baixo da vara. Se esse é presumidamente o momento mais memorável da obra, é difícil de se esperar algo bom, né? Foi com esse pensamento que mergulhei pelado nesse banquete de fanservice.
O título Phantom World é uma boa descrição do universo da obra: um mundo repleto de fantasmas, apesar destes serem tratados como espíritos e serem visíveis para todos. Eles são materializações dos pensamentos e desejos humanos que existem por conta de um acidente ocorrido há dezenas de anos. Alguns são pacíficos, outros maléficos. Com o surgimento desses phantoms, os humanos adquiriram poderes para conseguir combatê-los e impedir que causem problemas ao redor do mundo.
A caça aos fantasmas se tornou uma profissão e escolas especializadas em capacitar jovens para essa função foram criadas. A mais prestigiada dessas é onde se encontram os protagonistas. O primeiro deles é o Ichijou Haruhiko, um verdadeiro cdf que tem uma biblioteca massiva em seu quarto e sabe absolutamente tudo acerca de qualquer assunto. Seu poder permite que aprisione espíritos em um caderno ao desenhá-los, além de poder invocá-los.
Junto dele vive uma phantom do bem, a Ruru, uma espécie de fada miniatura que não sabe ficar sequer um segundo sem falar e sem causar confusão. Além da habilidade de voar, parece que ela não tem qualquer outro poder, a não ser que possamos considerar sua enorme chatice um poder.
Na classe de Haruhiko estuda a Mai Kawakami, uma moça hábil e agressiva que faz uso dos quatro elementos em seus chutes e socos. Ela é uma pessoa alegre e de bom coração, porém, a série deixa claro que seu maior atributo é a sua comissão de frente, a qual precisa ser acariciada para que use o poder de derrotar espíritos. Sabe aquela propaganda do metrô sobre peitos? É basicamente isso…
Esses dois são alunos do 2º ano. Uma aluna do 1º ano que faz parte do grupo deles é a Reina Izumi, uma amável donzela de família rica cujo poder é sugar espíritos pela boca como se fosse um aspirador. Também tem um apetite insaciável e é o terror dos restaurantes self-service. É como uma versão humana do Kirby.
AAAAAAAAAAA outra integrante do grupo é a Koito Minase, também do 1º ano, uma garota estoica que sequer sabe sorrir e ou ser amigável com os outros, apesar de que essa personalidade se amolece conforme o passar do tempo. Sua habilidade é paralisar inimigos com um grito ensurdecedor.
Além dessa galera do ensino médio, uma menina do fundamental também os ajuda em algumas de suas missões, a tímida Kurumi Kumamakura. Não existe alguém com uma fixação tão grande por ursos como ela, ao ponto de seu poder ser um urso de pelúcia gigante que destrói espíritos com socos esmagadores no estômago.
Juntos essa turminha do barulho vai aprontar as maiores confusões com os espíritos malucos que enfrentarão! Com muitos seios saltitantes, fetiches e insinuações sexuais, essa é uma série para você
Diferente de grande parte dos trabalhos do estúdio, Phantom World é uma série de fantasia que não se prende ao mundo real, então vemos cenários impossíveis de existir nos demais animes da KyoAni, um dos poucos pontos positivos da obra. Somos apresentados a um mundo medieval em guerra habitado por ursinhos de pelúcia, uma realidade alternativa com estética de livro infantil onde todos têm orelhas de coelho e uma mansão lúgubre com andares infinitos que na verdade é um gato.
Isso possibilitou a criação de sequências fantasiosas cheias de efeitos especiais e pirações, como uma batalha de uma mahou shoujo contra um mecha, uma peça teatral situada no Japão feudal que transita entre o palco do teatro ao lugar real onde a peça se passa e uma viagem psicodélica à mente dos personagens em um momento de transe por estarem perdidos em um labirinto. Se situações inventivas assim fossem o foco, esse seria um anime incrível de fantasia.
Ver essas sequências com o trabalho admirável de animação e composição visual da KyoAni é o que salva Phantom World de ser uma "perda total". Apesar disso, as cenas de luta, embora sejam um espetáculo de cores e explosões, não me fascinam tanto quanto os trechos que exploram os sentimentos dos personagens por meio de belos enquadramentos, os quais existem na obra, mas em menor quantidade se comparados com outros trabalhos do estúdio, até porque sentimentos certamente estavam longe das prioridades deles na criação desse anime.
Uma das prioridades foi um character design que explorasse ao máximo a sensualidade das garotas. Isso fica evidente na abertura, na qual vemos a silhueta delas nuas, enquadramentos sugestivos e – esse não podia faltar – peitos balançando. Além disso, cada uma delas é uma personificação dos arquétipos de anime criados para satisfazer os fetiches do público otaku. A Mai é uma tsundere, garota agressiva que esconde seu lado afetivo; a Reina é uma ojousama, menina de família rica com personalidade doce de princesa; a Koito é uma kuudere, moça séria que esconde seus sentimentos e um lado afetivo; a Kurumi é uma loli, simplesmente uma criança fofa.
Não me parece que houve qualquer preocupação em fazer o público enxergar essas personagens além de meros objetos de desejo, dada a forma como são exploradas na obra. Alguns trechos tentam explorar seus passados e sentimentos, mas estes são ofuscados pelos momentos que as usam apenas como alívios cômicos para piadinhas pervertidas. Desenvolvimento de personagem é algo inexistente.
A Mai é a que mais sofre em relação a isso, pois a personagem pode ser resumida aos seus peitos grandes. Na maior parte do tempo, a série não faz a menor questão de que você veja algo além de seus seios. Às vezes variam e mostram outras partes do corpo dela, como em cenas que a mostram se alongando de shorts de educação física, mas geralmente são os seios mesmo.
Como se isso não fosse o suficiente, ainda diminuem a personagem ao introduzir uma paixonite dela pelo Haruhiko, que nunca se desenvolve além de indícios que são apresentados da forma mais clichê possível, com ela se envergonhando diante dele em certos momentos. Mas o pior é um episódio focado nela e em seus sentimentos que a trata como uma piada durante quase toda a duração e tem como desfecho ela sendo salva pelo Haruhiko ao ser incapaz de derrotar um phantom. De início a Mai é a figura de uma garota forte e autossuficiente, mas a transformam no oposto disso à medida que a série progride.
E a sequência dela sendo salva conta com o Haruhiko só de cueca. Que lástima... |
E ainda não falei da Ruru, né? Além de ser chatíssima e barulhenta, a única finalidade dela é ser uma distração em todas as cenas que aparece, ou seja, uns 80% da série inteira. Ela está sempre seminua, com uma roupa indiana que deixa em evidência as belas curvas de seu corpo, e faz poses sensuais com frequência. É um artifício para o público desviar o olhar a ela, algo que acontece até durante diálogos importantes. É como se o estúdio não se importasse em fazer com que o público prestasse atenção na história. Fanservice acima de diálogos.
E por falar em história, isso é praticamente inexistente nesse anime. A estrutura é quase que inteiramente episódica, ou seja, os episódios não têm muita conexão entre si e não há uma narrativa grande que se desenvolva ao longo deles. Para você ter uma noção, o dia-a-dia trivial das garotas de K-ON! (meu review) proporciona um senso de progressão maior do que qualquer evento de Phantom World. Apenas nos últimos dois episódios surge uma ameaça real, mas emoção e tensão a essa altura do campeonato não rola.
Apesar de existirem situações inventivas na obra, elas são ofuscadas pelo roteiro que coloca o fanservice em primeiro plano em todos os momentos. Assim como o design das personagens, toda decisão tomada no roteiro visa explorar formas de agradar ao público otaku pervertido. Não é à toa que a cena mais conhecida do anime é uma que a Mai tem dificuldades em dançar limbo por conta de seus seios enormes e precisa balança-los para conseguir passar por baixo da vara. Esse evento acontece já no primeiro episódio, pois o estúdio pelo menos foi honesto e optou por mostrar o baixo nível da série logo em seu início.
Daí em diante é uma sequência de "baixos e baixos", porque não há "altos" em Phantom World, talvez "médios". O segundo episódio mantém o padrão e traz um fantasma que tira fotos de meninas se trocando, com uma cena da Reina chupando os dedos do Haruhiko sem qualquer explicação, com direito à baba escorrendo da boca dela. Quase uma cena de um filme arthouse pornô.
O sétimo episódio conta com aquela viagem psicodélica que supracitei alguns parágrafos atrás, mas seu valor é diminuído pelo fato da premissa desse episódio ser um fanservice por si só – todos passam a agir como gatos. Não é nenhum segredo que garotas-gato são um fetiche dos otakus e esse episódio é um banquete dedicado a estes, com direito a orelhas e rabos e poses "deliciosas" das garotas. Essa é uma situação recorrente em toda a série – ideias boas arruinadas pelo fanservice.
Os dois episódios finais introduzem a verdadeira vilã da série e é claro que ela não poderia deixar de ser uma mulher peituda com um decote gigante. Seu poder fanservicezento permite que roube as habilidades das pessoas ao beijá-las na boca. Ao possuir a mãe do Haruhiko, ela o beija dessa forma. Acredite se quiser, mas existe um público para o fetiche de incesto e, com essa vilã, apelaram até mesmo a uma asquerosidade dessas.
Com toda essa abordagem patética, não é de se espantar que o pior episódio de qualquer anime da KyoAni se encontre nessa série. Quando envolvem águas termais, já dá pra saber que coisa boa não é. Mas o buraco do oitavo capítulo de Phantom World é muito mais embaixo. O vilão é um gorila que instaura uma fonte termal no pátio do colégio e fica excitado ao ver garotas atraentes. Sua excitação é tamanha que ele as imobiliza e lambe seus corpos com sua língua enorme.
Como estratégia para chamar a atenção do primata, as meninas vestem suas roupas de banho e posam sensualmente. Cada um dos enquadramentos feitos nelas tem a importante finalidade de permitir que seja possível que você se masturbe enquanto assiste. Para fechar com chave de bosta o episódio, a solução que encontram para derrotar o gorila é pintar a bunda da Mai de vermelho, a cor que o traseiro de algumas primatas fêmeas assume quando querem se acasalar. É o verdadeiro fundo do poço dos animes da Kyoto Animation. Pior que isso é impossível.
Outro episódio com o único propósito de proporcionar planos para os garotos baterem punheta é o episódio extra. Esses extras geralmente têm um histórico de estarem propensos a fanservice por não serem exibidos na TV, o que dá maior liberdade ao estúdio. Claro que não seria diferente com Phantom World, então criaram um episódio de praia com um phantom que cria tarjas de censura nas partes íntimas das personagens, para dar a impressão de que estão peladas.
Ao menos a trilha sonora da série se destaca, com músicas divertidas e agitadas que se encaixam de forma ótima nas cenas de comédia e de luta e são até mesmo boas de se escutar separadamente. A música de abertura também é uma delícia, escuto com frequência. É basicamente um eurobeat moderno, gênero que adoro, graças ao Initial D (meu review). Embora até a abertura tenha fanservice, eu gosto da animação, acho interessante essa estética de quadrados coloridos que somem e aparecem junto de glitches em diversos de seus elementos.
Se a Kyoto Animation não tivesse diversas séries maravilhosas, até mesmo inspiradoras, e não fosse conhecida por seu trabalho visual formidável, com animação e direção impecáveis na maioria dos casos, eu sentiria vergonha de dizer que sou fã do estúdio por conta de Phantom World. É indubitavelmente o ponto baixo definitivo de seu catálogo. Uma obra sem qualquer sustância cujo único propósito é apelar ao fanservice. Chega a ser paradoxal o fato dela, a pior série do estúdio, ter sido dirigida pelo mesmo diretor e lançada no mesmo ano da 2ª temporada de Hibike! Euphonium, o melhor trabalho da KyoAni.
-por Vinicius "vini64" Pires
Leia também minhas outras análises sobre animes da Kyoto Animation:
Leia também minhas outras análises sobre animes da Kyoto Animation:
- Air (Tatsuya Ishihara, 2005)
- Kanon (Tatsuya Ishihara, 2006)
- The Melancholy of Haruhi Suzumiya (Tatsuya Ishihara, 2006)
- Lucky Star (Yasuhiro Takemoto, 2007)
- K-ON! (Naoko Yamada, 2009)
- The Disappearance of Haruhi Suzumiya (Tatsuya Ishihara, 2010)
- Nichijou (Tatsuya Ishihara, 2011)
- Chuunibyou demo Koi ga Shitai! (Tatsuya Ishihara, 2012)
- Tamako Market / Tamako Love Story (Naoko Yamada, 2013)
- Free! (Hiroko Utsumi, 2013)
- Amagi Brilliant Park (Yasuhiro Takemoto, 2014)
- Koe no Katachi (Naoko Yamada, 2016)
- Miss Kobayashi's Dragon Maid (Yasuhiro Takemoto, 2017)
- Chuunibyou demo Koi ga Shitai! Take on Me (Tatsuya Ishihara, 2018)